24
de novembro de 2012 | N° 17263
NILSON
SOUZA
Estradas não
matam
Sei
que é uma linguagem figurada, mas fico indignado cada vez que leio ou ouço que
uma determinada rodovia causou a morte de não sei quantas pessoas. Ao culpar a
estrada, estamos invariavelmente protegendo motoristas irresponsáveis que
colocam em risco suas vidas e as de terceiros.
O
que mata – todos sabemos disso, mas às vezes fingimos não saber – é o excesso
de velocidade, é a ultrapassagem indevida, é a direção perigosa associada à
ingestão de álcool. A estrada, coitada, apenas acolhe passivamente os arrojados
e os prudentes, oferecendo-lhes a democrática oportunidade de ir e vir. Como já
disse um filósofo anterior ao automóvel, cada caminho leva a um destino, mas
quem escolhe é o caminhante.
Quem
escolhe a pressa, porém, acha que tudo e todos têm que sair da sua frente. Se
bem me lembro, já teve até autoridade propondo o corte de árvores na beira de
rodovias, como forma de prevenir choques fatais. A tese parece, mas não chega a
ser, absurda: motoristas sonolentos e imperitos passariam a ter uma área de
escape maior para se recuperar da barbeiragem.
Além
disso, um choque contra um barranco ou um banho no lago tendem a ser menos letais
do que uma batida abrupta contra um obstáculo fixo. Então, se for para salvar
uma vida, mesmo a de quem a coloca em risco desnecessariamente, até não me
importo que cortem árvores e removam postes.
Só
não dá para remover, e nem mesmo para avisar com antecedência, outros
motoristas que trafegam nas mesmas estradas dos apressadinhos. Estes, ainda que
sejam cautelosos e bons condutores, podem ser abalroados, feridos e mortos,
como quase sempre acontece quando alguém sai da linha. Quando isso ocorre, não
podemos deixar de pensar, até com certa crueldade, que talvez fosse melhor ter
deixado o poste ou a árvore no seu lugar.
Pois
o problema do trânsito é exatamente esse: os infratores raramente pagam
sozinhos por seus delitos. Tem sempre mais gente na estrada. Aliás, tem cada
vez mais gente na estrada, mais veículos, mais motoristas, mais irresponsáveis.
Tal é a superlotação da malha rodoviária, que um amigo meu atribui o morticínio
do trânsito a uma espécie de seleção natural da espécie Homo automobilus, que
há muito substituiu a dos sapiens.
Se
há um lugar em que o ser humano deixa de lado toda sabedoria acumulada desde
sempre é exatamente na direção de um carro. Aquele emblemático desenho animado
do Pateta, que se transforma de pacato cidadão em fera no volante, não passa
apenas nas escolas de condutores. Passa-se, isto sim, na vida real, todos os
dias. O automóvel dá poder de fogo ao indivíduo ao mesmo tempo em que lhe
subtrai o raciocínio.
As
árvores, os postes e os outros que saiam da frente. Em caso de acidente, culpa
da estrada. Dá para aceitar isso?
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