RONALDO
DE BREYNE SALVAGNI
A falta que uma montadora
brasileira faz
A área
de inovação é estratégica demais, sempre fica na matriz, por mais que criemos
'regimes automotivos'. É frustrante, todo país grande tem sua montadora
O
Brasil é o quinto maior produtor de veículos no mundo: mais de 4 milhões de
unidades ao ano. Tem um grande mercado interno, quase toda essa produção é vendida
aqui.
E são
grandes as possibilidades de crescimento desse mercado, com a ascensão social e
as facilidades de crediário existentes. Há cerca de 20 montadoras instaladas no
país, além de mais de 500 fornecedores na cadeira produtiva. Outras estão vindo.
No
entanto, nenhuma dessas montadoras é brasileira. Os grandes fornecedores e
fabricantes de autopeças instalados aqui também são estrangeiros. Dos dez
maiores fabricantes de veículos no mundo, o Brasil é o único que não tem
montadora própria (excetuando o México, cujo setor automotivo é uma espécie de "extensão"
do americano) -o único Bric sem uma.
Formamos
técnicos e engenheiros de nível mundial, que vão trabalhar nessas empresas. Muitos
fazem carreira internacional. É como ver uma Copa do Mundo sem uma seleção
brasileira, com todos os nossos craques jogando com camisas estrangeiras. Frustrante.
Não
tenho nada contra as multinacionais. Elas têm contribuído muito para o Brasil,
gerando empregos, recolhendo impostos e produzindo riqueza. Todas fazem pesquisa
e desenvolvimento, inovam, mas fazem isso nos seus países de origem. Essas
atividades são estratégicas, arriscadas e caras, por isso ficam sob supervisão
direta das suas matrizes.
O
governo brasileiro está agora tentando modificar esta situação. Aumenta
impostos sobre os veículos, especialmente os importados, mas dá descontos para
aquelas empresas que investirem aqui em "inovação", sem dizer
claramente o que seria isso, entre outras exigências.
A
meu ver, isso dificilmente vai dar certo. O que vamos ter, de fato, é um esforço
das empresas para convencer o governo de que o que elas já vêm fazendo atende às
novas regras. No máximo, teremos carros com motores algo mais econômicos (uma
das únicas exigências objetivas do programa).
Esse
novo regime automotivo tem aspectos positivos, mas é uma forma de protecionismo
comercial. Acentua as distorções do mercado brasileiro, não toca no grande
problema: o preço dos carros brasileiros ser o triplo do preço em outros países.
Além disso, provavelmente terá pouco resultado em termos de inovação e
desenvolvimento de tecnologia automotiva brasileiras.
Se
tivéssemos uma montadora brasileira, não precisaríamos de nenhum "regime
automotivo" nem de nenhum programa de inovação. Uma montadora brasileira
faria pesquisa e inovação naturalmente no Brasil, como já fazem Embraer, Vale,
Petrobras e Embrapa.
Pode
ser difícil agora criar uma nova montadora brasileira competitiva em nível
global, mas não é impossível. Há alguns nichos que poderiam ser explorados. O
Brasil tem algum conhecimento em carros "verdes", por conta do álcool
e dos biocombustíveis -os motores flex, aliás, são prova de que temos
capacidade de fazer pesquisa de ponta.
Poderíamos
tentar produzir carros com foco ambiental não apenas no combustível, mas em
todos os materiais, processos de fabricação, manutenção e posterior reciclagem.
As montadoras atuais usam o meio ambiente como fator de marketing, não há tecnologia
real em seus produtos.
Tal
empresa não poderia ser estatal, que aqui tende a se tornar apenas um cabide de
empregos totalmente ineficiente, mas precisaria ter apoio do governo em sua
fase inicial. Apoio limitado e por prazo determinado -se a empresa não conseguir
andar sozinha depois disso, melhor deixar fechar.
Essa
frustração tem de acabar -como podemos ter todos os recursos humanos e um
mercado à disposição e não termos uma montadora competitiva e vencedora?
RONALDO
DE BREYNE SALVAGNI, 59, é professor titular e coordenador do Centro de
Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da USP
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