DANUZA
LEÃO
Uma volta no
tempo
Teria
ele se casado? Se lembraria de mim? Tive vontade de correr para ele, mas e a
coragem?
Quem
diria que anos depois -muitos anos depois- íamos nos cruzar numa rua de Paris.
Foi
absolutamente inesperado; eu ia andando, ele vinha de outra rua, e quase nos
esbarramos, o que felizmente não aconteceu. Apesar do passar do tempo, nem por
um minuto duvidei de que fosse ele. Quando nos conhecemos, ele devia ter uns 30
anos, mais uns 20 tinham se passado e ele estava mais bonito do que havia sido.
Os cabelos um pouco grisalhos, os traços mais firmes, de homem, e o corpo, o
mesmo. Ah, que boa história foi aquela.
Não
foi um caso de paixão, mas sim de amor, amor romântico. Terá durado um mês,
dois? A verdade é que naquele tempo uma viagem a Paris tinha que ter,
obrigatoriamente, um namoro. Nos víamos todos os dias e, quando o revi, lembrei
do fim de semana que passamos em Deauville em pleno outono, as florestas que
percorremos com as árvores em tons que iam do amarelo ao vermelho, passando por
todos os tons de castanho, que lindas lembranças. Depois a volta, já com os
dias contados para eu voltar.
Não
se falava disso, claro, e houve a penúltima noite, e a última, e nos separamos
sabendo que seria para sempre; calados, pois não havia nada a dizer, nem planos
a fazer. Apenas sofremos, de mãos dadas e sem coragem de nos olhar. O tempo
passou e a lembrança ficou.
Mas
nunca me esqueci dele; não totalmente. Dos passeios no Luxembourg, dos cafés
onde nos sentávamos durante horas contando nossas vidas, falando do passado,
mas sem ousar falar de futuro, pois o futuro para nós era fora de questão. Foi
um amor lindo, inesquecível, e nunca mais nos vimos nem nos escrevemos, nada. E
ali estava ele, a dois passos de mim.
Teria
ele se casado? Continuaria só? Se lembraria de mim, pelo menos às vezes? Tive
vontade de correr para ele, mas e a coragem? Lembrei da música de Chico que diz
que é desconcertante rever um grande amor. E como é.
Vi
quando entrou num edifício e fiquei por ali, disfarçando, esperando que ele
saísse, o que aconteceu uma meia hora depois. Durante esse tempo meu coração
bateu loucamente, e eu pensava: falo com ele ou não? E se ele me der um olhar
gelado? Afinal, tantos anos depois, tantas coisas devem ter acontecido em sua
vida. Quando ele enfim saiu, ainda o segui por uns minutos, mas pensei: calma,
Danuza, o que passou, passou. Não para todos, não para mim, mas coração de homem
é diferente.
Ele
parou na rua, fez sinal para um taxi. Era agora ou nunca, e foi nunca. Tive
medo de que ele me tratasse friamente, como uma amiga, ou demorasse a me
reconhecer.
Ou
pior, que não me reconhecesse.
Esse
encontro aconteceu há uns 15 anos ou até mais. Nunca mais nos cruzamos, e a
vida seguiu, como costuma seguir, e escrevi esse registro aí em cima para nada,
apenas um hábito que tenho.
Na
última vez em que estive em Paris, comprei, como faço sempre, as revistas
locais, inclusive a Paris Match, onde ele trabalhava. E, folheando a revista,
vi um texto com uma pequena foto dele -que custei a reconhecer-, e o título: So
Long, Bernard. Era uma despedida da revista onde ele trabalhou a vida toda.
Eu
podia ter falado com ele, devia ter falado com ele. Ou não? Que mania, essa, de
não aceitar que as coisas se acabem completamente, por que isso? E tenho
pensado nele, muito mais do que quando nos separamos séculos atrás.
São
tantas as perguntas, e tão poucas as respostas.
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