17 de novembro de 2012 |
N° 17256
PAULO SANT’ANA
A vez primeira
A vez primeira em que me
apaixonei, tinha 15 anos de idade. A menina por quem me apaixonei era de classe
bem mais alta do que eu.
Fiquei apaixonado por ela durante
uns 10 anos, a mim parece, estranhamente, que até hoje sou apaixonado por ela.
E o mais intrigante é que nunca
falei com ela. Apenas a via todos os dias na Capela Sagrado Coração de Jesus,
que deu origem à atual Igreja São Jorge, no Partenon.
Ela era religiosa. Eu não me
aproximava dela porque tinha vergonha dos meus trajos. Meus sapatos eram sempre
furados na sola, minhas calças sempre amarfanhadas, de tecido pobre. Como
poderia eu me atrever a aproximar-me de uma moça de classe média alta?
Ela era Filha de Maria, um grupo
de paróquia que se reunia quase todos os dias no salão ao lado da igreja para
rezar e exercitar iniciativas de ajuda aos pobres.
Quando me recordo hoje de meu
coração saltitante, vendo-a entrar na igreja, lembro de versos lindos do
cancioneiro, autoria de César Costa Filho:
Ela passava distante e fria
Não demonstrava nos olhos
A ânsia dos meus.
Sei que Maria fugia,
Pois era esposa de Deus
A quem jamais trairia
Pra ter nos seus braços carinhos
ateus.
E eu à mercê de Maria
Não sei o que faço da minha
ilusão:
Folha amarela de outono caída no
chão.
Nunca falei com ela e assim mesmo
eu era apaixonado terrivelmente.
Desde que me levantava pela
manhã, meus pensamentos se voltavam para ela.
Sonhava nos meus 15 anos vir um
dia a ser pai de seus filhos. Tenho a impressão de que minha paixão por ela
nasceu de que cruzamos na rua e ela sorriu ternamente para mim. Só isso, as
labaredas da paixão incendiaram meu ser durante 10 anos.
Guardo essa recordação como uma
das mais caras da minha vida, eis que aqueles 10 anos foram sem dúvida o
período em que conheci pela primeira vez o que podia ser definido por amor, um
sentimento que me parecia desconhecido e distante.
Imagino-a hoje com filhos adultos
e netos adolescentes. Nem sei se ela guarda sequer apenas um fiapo de
recordação de mim.
Ela se casou com um amigo meu do
arrabalde. Devem ter sido felizes.
E eu, folha amarela caída no
chão, fui seguir o meu destino. Tenho filhos, tenho netos, mas não se apaga de
minha memória aquele virginal sentimento, inédito e delicioso sentimento que
nutri por ela.
Sei que meus leitores, ao lerem
essas linhas, rememoram também os tempos de colégio primário ou de Ensino
Fundamental em que tiveram algum namorico fugaz com alguém.
Foram mais de 3 mil dias em que
fiquei incendiado de amor por aquela menina.
Como é lindo quando duas pessoas
ou, como nós, duas crianças, ficam assim serenamente inclinadas uma pela outra.
Causa uma grande saudade do nosso
coração estreante.
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