22
de novembro de 2012 | N° 17261
PAULO
SANT’ANA
O mau-caráter
O
indivíduo de má índole é inofensivo enquanto não puser em ação a sua má índole.
Quando
o indivíduo de má índole passa a agir, esse é o mau-caráter.
O
mau-caráter passa o dia matutando e arquitetando maldades. O mais
impressionante é que ele não sabe o que são maldades.
Se a
gente acusa o mau-caráter de ser mau-caráter, ele entende que isso é uma
injustiça. Ele não tem noção diferencial sobre mal e bem.
O
mau-caráter é como a serpente venenosa. Ele injeta simplesmente o veneno porque
é da sua natureza injetar o veneno, seja lá qual for a extensão de seu ato
agressivo.
O
mau-caráter age pelo que entende ser sua legítima defesa. Ele sempre se sente
inseguro, imagina que sendo mau-caráter poderá vir a sentir-se menos inseguro.
Vez
por outra, o mau-caráter camufla seu mau caráter com uma ação benemérita, é a
dissimulação que lhe permite não ser considerado mau-caráter pelos ingênuos.
O
mau-caráter se regozija de suas más-caratices. De novo, igual às serpentes
venenosas, o mau-caráter pica seus alvos por instinto, ele não tem exatamente
consciência do dano que vai causar a inoculação de seu veneno. A picada que ele
desfere é intrínseca à sua natureza, se ela produz danos, ele se sente
gratificado, imagina que definitivamente ou talvez por algum tempo a vítima
sofra os efeitos do seu ataque.
O
mau-caráter se irrita com um período da vida: é o fim de semana, quando ele
perde de vista o seu campo de ação.
Em
compensação, no fim de semana ele fica elucubrando as más-caratices que vai
produzir a partir de segunda-feira.
A
origem fulcral do mau-caratismo é a inveja, a consciência que o mau-caráter tem
de que é superado por alguém.
Então,
o mau-caráter pensa assim: “Ele é superior a mim, mas vai sentir que sou capaz
de perturbar e inquietar a sua superioridade. Se o golpe que eu desferir nele
for suficientemente danoso, isso poderá até fazer com que tenha dúvidas sobre
sua inegável superioridade”.
Uma
característica da má-caratice é que os alvos do mau-caráter são coletivos, ele
espalha durante a semana várias setas da sua maldade sobre a comunidade que o
cerca.
Não
existe ninguém mais solitário que o mau-caráter, embora ele finja ser gregário
para manter agredidas as pessoas de quem se acerca.
O
mau-caráter só emerge da escura solidão a que está condenado para poder
produzir más ações, quase sempre traduzidas em golpes verbais ou gestos que ele
desfere com abastança nociva.
O
pior mau-caráter é o que age por prevenção, agride porque acredita que se não o
fizer será agredido antes.
O
mau-caráter é fruto ambiental das relações humanas. Se por acaso o mau-caráter
fosse encarcerado solitariamente numa masmorra durante 30 anos, ele não teria
como agredir os outros, seu péssimo caráter se constituiria num glorioso
desperdício.
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