17 de novembro de 2012 |
N° 17256
NILSON SOUZA
Deus e Marianne
Confesso que nunca tinha
observado com atenção uma cédula do nosso atual dinheiro para perceber que Deus
está lá. Agora que querem expulsá-lo, porém, tive o cuidado de olhar com lupa
os trocados que carrego no bolso, para me certificar de que a Casa da Moeda não
se esqueceu de imprimir a legenda de fé que acompanha a efígie simbólica da
República – aquela enigmática senhora francesa de olhar cego e expressão de
absoluto enfaro.
Se pudéssemos ler o pensamento da
nossa Marianne – esse é o seu nome original –, provavelmente veríamos algo como
“o que é que estou fazendo aqui outra vez?”. Ela tem sido chamada
sistematicamente para chancelar as nossas turbulências monetárias: apareceu na
cédula de 1 cruzeiro na década de 70, voltou como 200 cruzados novos no final
dos anos 80, retornou nos 5 mil cruzeiros de Collor em 90 e reassumiu a
titularidade na era do real, em todas as notas, a partir de 1994.
De vez em quando, é despejada
para dar lugar a vultos da nossa história, políticos, escritores, artistas e
até figuras regionais indefinidas. Já tivemos, por exemplo, um gauchão de
bigode estampando a nota de 5 mil cruzeiros reais, de curta circulação. Pois
bem, e Deus, o que está fazendo lá? Cópia, evidentemente. Os americanos
lascaram “em Deus nós confiamos” no seu dólar, e nós, como bons súditos,
tínhamos que fazer algo parecido. Saiu “Deus seja louvado”, que alguns
irreverentes gostariam de ver corrigido para “Deus nos acuda”.
Seja como for, a expressão parece
estar com os dias contados. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, de
São Paulo, ingressou com uma medida judicial exigindo que o Banco Central
elimine a citação religiosa, sob o argumento de que o Brasil é um Estado laico.
Vem aí outra polêmica nacional, como a que resultou na retirada dos crucifixos
das repartições públicas.
Deus, como Marianne, certamente
não será consultado. Se o fosse, aposto que não faria a mínima questão de
assinar um papel que simboliza a ganância e a vilania, que compra consciências
e motiva os mais hediondos crimes. Mas seu santo nome está lá, no que parece
ser um evidente caso de falsidade ideológica e uma inquestionável afronta ao
segundo mandamento de sua lei.
Marianne também é um nome santo e
emblemático, conjugação de Maria com Anne, representação da República e do povo
na França revolucionária. Sua imagem de pedra não evoca fé, mas valores humanos
que, se fossem observados, dispensariam o uso indevido da proteção divina:
liberdade, igualdade e fraternidade.
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