sábado, 10 de novembro de 2012



11 de novembro de 2012 | N° 17250
VERISSIMO

A japonesinha

Iko vivia abanando o nariz, afastando o mau cheiro com sua mãozinha delicada

– A Iko matou a minha mãe.

Sempre que o Carlão dizia isto num grupo abria-se uma clareira de espanto. O que? A Iko? A japonesinha com quem o Carlão se casara no Japão e trouxera para o Brasil? Aquele encanto? Aquele doce? Era impossível imaginá-la matando um mosquito, quanto mais a sogra

O Carlão explicava.

– Vocês já notaram que ela esta sempre abanando a mão na frente do nariz?

Todos já tinham notado. Era um dos seus gestos mais graciosos. O consenso geral era que Iko ainda não se acostumara com o calor do Brasil. Por isto se abanava sem parar.

Não era o calor.

– Ela não suporta o nosso cheiro – disse Carlão. – Como, “o nosso cheiro”? Nós quem, os homens? – Não. Nós, os ocidentais.

O espanto do grupo só aumentava. Então os ocidentais tinham um cheiro diferente? E um cheiro ruim?

– Tem para os japoneses – disse Carlão. – Ou, pelo menos, para a Iko.

A Iko combinava uma sensibilidade olfatória rarefeita com uma sinceridade desconcertante. O Carlão já pedira para ela não repetir o gesto de abanar o nariz na frente dos outros. Ele já se acostumara com a crítica silenciosa da mulher ao seu cheiro, mas os outros poderiam não gostar. Ninguém gosta de ser chamado de fedorento, mesmo que só com um gesto. E que vida social seria possível para o casal, se Iko continuasse fazendo aquilo?

Iko ouvia o pedido do marido e sorria. Estava sempre sorrindo, mesmo quando abanava o nariz. Mas, na presença de um ocidental, nunca deixava de se abanar. Sorrindo. Encantadora. Mas afastando o mau cheiro com sua mãozinha delicada.

Carlão contava que no encontro da Iko com sua mãe acontecera o que ele temia. Iko recuara quando sua sogra tentara abraçá-la e dar as boas vindas ao Brasil. E em seguida abanara a mão na frente do nariz. Sempre sorrindo.

– Que gesto é esse que ela faz?

– Nada, mamãe. É um costume japonês. Um gesto de felicidade. Ela está contente de conhecê-la.

– Ela não está dizendo que eu cheiro mal?

– Não, mamãe. É que... – Está sim. Está sim!

E a mãe do Carlão passara a tomar três banhos por dia, e a se perfumar mais do que de costume depois de cada banho, e nem assim escapava da repulsa muda da nora sempre que se encontravam. E aumentara a frequência dos banhos. E, com isto, as probabilidades de um acidente no banheiro.

Que aconteceu. A mãe resvalara ao sair da banheira cheia de espuma aromática, batera com a cabeça e morrera. Iko sentira a morte da sogra mas não comparecera ao velório e ao enterro. Seriam muitos ocidentais juntos, ela não aguentaria

No grupo, ninguém perguntava, mas a dúvida passava pela cabeça de todos. Como, depois de tudo, o Carlão continuava com a Iko, com sua mãozinha intransigente abanando? E como seria a vida sexual dos dois? Imaginavam Carlão e Iko na cama, a Iko um encanto, a Iko um doce, a Iko uma amante fogosa, mas sempre apertando o nariz. 

Nenhum comentário: