O sermão de Dilma aos
neopobres
A
presidente Dilma Rousseff prepara-se para fazer um sermão sobre as
inconveniências da austeridade excessiva aos governantes de Espanha e Portugal,
com os quais se reunirá no fim de semana, durante a 22ª Cúpula Iberoamericana.
O
sermão será, em tese, durante o que a linguagem diplomática chama de
"retiro", uma sessão em que os chefes de governo/Estado se trancam
entre eles, para falar livremente sobre o que lhes preocupa.
Que
a crise econômica global é a preocupação central está evidente pelas
declarações de Enrique Iglesias, o secretário-geral iberoamericano e uma das
pessoas mais informadas sobre essa comunidade: "A cúpula vai estar muito
dominada pelo tema da crise mundial e de como, de alguma forma, a relação
iberoamericana pode apoiar os países que têm problemas e que são basicamente os
da península Ibérica" (Portugal e Espanha).
A
julgar pelo que a Folha ouviu na diplomacia brasileira, a intenção de Dilma é a
de dizer que os países em crise devem se ajudar eles próprios, com medidas de
estímulo à economia, em vez da obsessão com cortes de gastos e aumentos de
impostos, como vem sendo a regra.
A
presidente não se cansa de dizer coisas do gênero a seus pares do mundo
desenvolvido, desde que assumiu. Mas o sermão de agora ocorrerá em um momento
em que até o Fundo Monetário Internacional, campeão mundial das fórmulas
ortodoxas, vem sugerindo um relaxamento sob pena de o remédio adotado matar o
paciente.
O
caso da Grécia é, talvez, o mais escandaloso exemplo de fracasso da ortodoxia.
O país irá, em 2013, para o sexto ano consecutivo de contração econômica, já
encolheu 24% em cinco anos (índice de país em guerra), o desemprego está em
inacreditáveis 25,5% e, entre os jovens, na estratosférica altura de 55%, para
não falar do aumento do número de sem-teto, das doenças mentais e da taxa de
suicídios.
Mesmo
que fosse possível ignorar as insuportáveis consequências sociais da ortodoxia,
ainda assim o fracasso ficaria evidente nos números que se pretende corrigir
com a austeridade: a dívida grega, apesar do calote parcial, irá a 189% do PIB
em 2013, contra 175,6% este ano.
É
tão dramático o quadro que a revista "The Economist" sugere adotar
para a Grécia o modelo de perdão da dívida usado, nos anos 90, para os HIPCs
(Países Pobres Altamente Endividados, na sigla em inglês). Eram Estados
praticamente falidos, uma comparação humilhante para um membro da União
Europeia e que não deixa de ser rico, comparativamente aos HIPCs.
Portugal
e Espanha também enfrentam uma situação angustiante, que, na Espanha, deu
margem até a um impulso independentista por parte do governo (moderado) da
Catalunha, uma das suas regiões mais ricas, impulso a ser testado, de resto,
uma semana depois da cúpula de Cádiz.
Na
quarta-feira, dois dias antes de o encontro começar, haverá greve geral tanto
em Portugal como na Espanha, em novo protesto contra os cortes. A voz de Dilma
não será, pois, isolada. Se será ou não ouvida, é outra história.
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