03
de julho de 2012 | N° 17119
DAVID
COIMBRA
Os gritos na boca do
túnel
Ouvi
a gravação do desabafo do Ronaldinho ao sair de campo depois do jogo com o
Grêmio, domingo passado: ele não gritava, ele berrava insultos contra a torcida
gremista. A voz saía-lhe rascante da garganta, ele urrava de emoção e
ressentimento. Aquilo era raiva. Era ódio.
Antes
disso, no fim da partida, em vez de se dirigir ao túnel, Ronaldinho caminhou em
direção às sociais do Olímpico, numa atitude de desafio. E antes ainda, na
última vez em que esteve no Olímpico, no ano passado, Ronaldinho reagiu à vaia
dos gremistas desdenhando:
–
Isso não é nada, para quem está acostumado com a torcida do Flamengo.
Foram
essas as únicas demonstrações públicas de sentimento acerbado de Ronaldinho em
toda a sua carreira. Acompanho-o desde que ele despontou, no fim dos anos 90.
Entrevistei Ronaldinho muitas vezes, nas mais diversas situações e lugares do
mundo: em Porto Alegre, nos seus primeiros tempos de profissional, quando dizia
que jogaria no Grêmio “até de graça”; no Paraguai, quando marcou seu gol
histórico contra a Venezuela, na Copa América de 99; no Japão e na Coreia, em
2002;
na
Suíça e na Alemanha, em 2006; ao se bater contra o Inter, de novo no Japão.
Ronaldinho sempre me pareceu uma esfinge. Sempre me pareceu inabalável. As
glórias e as vicissitudes se sucediam, e Ronaldinho se portava da mesma forma,
sorrindo, impávido, repetindo que estava feliz em jogar futebol. Nunca um
arroubo, nunca uma demasia.
Salvo
nesses confrontos com a torcida do Grêmio.
Alguém
pode alegar que a fúria de Ronaldinho talvez tenha sido despertada por uma
faixa de insulto baixo à mãe dele, que surgiu em meio à torcida e que a direção
do Grêmio mandou retirar da arquibancada. Foi isso em parte, mas só em parte. O
sentimento de Ronaldinho vem de antes do jogo, o que foi revelado inclusive por
seus colegas de Atlético. É um sentimento antigo. Um sentimento profundo.
Foi
ressentimento, é verdade. Foi algo negativo, não positivo. Mas depõe a favor de
Ronaldinho. O Ronaldinho que briga, arrosta e se desespera de paixão, esse é um
ser humano. Mostra que Ronaldinho não é um avoado, não é um desligado da
realidade, que assiste ao seu próprio drama sem compreender o que se passa.
Não. Esse Ronaldinho que odeia o Grêmio é um homem de verdade. Pois ele odeia
porque um dia amou. Esse é um Ronaldinho com sentimentos autênticos, como
qualquer um dos que, na arquibancada, o vaiam ou aplaudem.
Isso
faz Ronaldinho maior do que quer parecer ser. Faz Ronaldinho crescer como
personagem. Porque craque ele sempre foi. Porque poucos ousam contestar que ele
é o mais habilidoso jogador de futebol que o Rio Grande do Sul já produziu.
Mas,
até agora, no encerramento de uma carreira tão luminosa nos seus tantos começos
e tão triste nos seus tantos finais, até agora Ronaldinho dava a impressão de
ser um zumbi emocional, uma máquina de jogar bola que só se importava com o
dinheiro que ganhava e os prazeres mundanos que esse dinheiro proporcionava.
Até agora. Hoje, não mais. Hoje se sabe que Ronaldinho é capaz de sentir.
Talvez até o sentimento não seja dos mais belos. Mas é humano.
Como
gastar bem o seu dinheiro
Dinheiro
se gasta com atacante. Com jogador que sabe fazer gol. Lá atrás dá-se um jeito
com disciplina, com tática, com organização. Na frente é preciso talento, e
talento é coisa rara. E cara.
Do
meio para trás, o Grêmio não precisava dispensar nenhum dos jogadores bons,
médios ou menos do que isso que dispensou nos últimos anos, a fim de contratar
outros bons, médios ou menos do que isso. Do meio para trás, você vai
resolvendo com o que tem, até encontrar um superior.
Fernando,
por exemplo, é superior. É um diamante do qual o clube não deve se apartar.
Marcelo Grohe é outra produção caseira que tem tudo para funcionar. Werley
afirma-se a cada jogo, e saiu por preço de ocasião. É assim que se resolve, do
meio para trás. Mas, na frente, há que se gastar. Na frente é preciso urgência.
Só o tempo e as circunstâncias não são capazes de resolver.
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