segunda-feira, 2 de julho de 2012



02 de julho de 2012 | N° 17118
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Poetas

As relações entre as artes e a política são tão antigas quanto elas mesmas. Não falemos da degeneração artística dos períodos nazista e stalinista, nem das iniciativas relativamente aceitáveis que ocorreram, inclusive em nosso país.

Sabemos, por exemplo, que O Cancioneiro da Inconfidência foi um pedido do então governador Juscelino a Cecília Meireles, do que resultou um poema que até hoje nos encanta. Falemos, sim, de trivialidades canhestras em que o poder desejou cooptar os artistas. No caso, poetas.

No livro A Década Perdida, de Diniz Borges, um apanhado de excelentes reflexões sobre o período Bush filho, ficamos sabendo de um fato patético. Certa vez, Laura Bush desejou oferecer um chá aos poetas de seu país. Um chá palaciano, percebe-se, para que ressoassem palavras lindas pelos salões da Casa Branca. O evento teria o título de “A Poesia e a Voz Americana”, no qual seriam discutidas as obras de monstros sagrados como Walt Whitman, Emily Dickinson e Langston Hughes.

Deu tudo errado. O poeta Sam Hamill, ao receber o convite, ainda sob o impacto da determinação de Bush filho para bombardearem sem piedade o Iraque, não ficou inerte: recusou o convite e começou uma intensa campanha pela internet para recolher poemas de denúncia da guerra.

A intenção era reunir tudo isso num pequeno livro a ser impresso e distribuído aos poetas que viessem a aceitar a participação na festa. O chá foi prudentemente cancelado, sob a inacreditável alegação de que “não há nada de política na literatura americana”. Enfim, um formidável fiasco. Eis o que acontece quando governantes não sabem nada acerca da cultura.

Quanto à campanha da Hamill, esta conseguiu recolher mais de 9 mil poemas, todos denunciando a intervenção no Iraque.

O incidente faz-nos pensar várias coisas ao mesmo tempo. A primeiríssima reflexão é esta: a arte não é ornamento, não serve para embelezar a vida nem facilitar a digestão, embora tudo isso possa ser obtido como resultado secundário, e, nisso, não há mal nenhum.

Em segundo lugar, provado está que, se alguns escritores põem sua arte em benefício do elogio do poder, seja qual for esse poder, a imensa maioria dos criadores artísticos, no entanto, repele qualquer tipo de manobra nesse sentido. Arte é inovação e ruptura – o resto é repetição e tédio. E ruptura implica contestar. A história da arte aí está para demonstrar que os grandes movimentos culturais começaram assim.

O resto é chazinho com bolo na Casa Branca.

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