05
de maio de 2013 | N° 17423
Martha
Medeiros
O Michelangelo de cada um
Escultura
não era algo que me chamava atenção na adolescência, até que um dia tomei
conhecimento da célebre resposta que Michelangelo deu a alguém que lhe
perguntou como fazia para criar obras tão sublimes como, por exemplo, o Davi. “É
simples, basta pegar o martelo e o cinzel e tirar do mármore tudo o que não
interessa”. E dessa forma genial ele explicou que escultura é a arte de retirar
excessos até que libertemos o que dentro se esconde.
A
partir daí, comecei a dar um valor extraordinário às esculturas, a enxergá-las
como o resultado de um trabalho minucioso de libertação. Toda escultura nasceu
de uma matéria bruta, até ter sua essência revelada. Uma coisa puxa a outra: o
que é um ser humano, senão matéria bruta a ser esculpida? Passamos a vida
tentando nos livrar dos excessos que escondem o que temos de mais belo.
Fico
me perguntando quem seria nosso escultor. Uma turma vai reivindicar que é Deus,
mas por mais que Ele ande com a reputação em alta, discordo. Tampouco creio que
seja pai e mãe, apesar da bela mãozinha que eles dão ao escultor principal: o
tempo, claro. Não sou a primeira a declarar isso, mas faço coro.
Pai
e mãe começam o trabalho, mas é o tempo que nos esculpe, e ele não tem pressa
alguma em terminar o serviço, até porque sabe que todo ser humano é uma obra
inacabada. Se Michelangelo levou três anos para terminar o Davique hoje está exposto
em Florença, levamos décadas até chegarmos a um rascunho bem acabado de nós
mesmos, que é o máximo que podemos almejar.
Quando
jovens, temos a arrogância de achar que sabemos muito, e, no entanto, é justamente
esse “muito” que precisa ser desbastado pelo tempo até que se chegue no cerne,
na parte mais central da nossa identidade, naquilo que fundamentalmente nos
caracteriza.
Amadurecer
é passar por esse refinamento, deixando para trás o que for gordura, o que for
pastoso, o que for desnecessário, tudo aquilo que pesa e aprisiona, a matéria
inútil que impede a visão do essencial, que camufla a nossa verdade. O que o
tempo garimpa em nós?
O
verdadeiro sentido da nossa vida. Michelangelo deixou algumas obras
aparentemente inconclusas porque sabia que não há um fim para a arte de
esculpir, porém em algum momento é preciso dar o trabalho como encerrado. O
tempo, escultor de todos nós, age da mesma forma: de uma hora para a outra, dá seu
trabalho por encerrado.
Mas
enquanto ele ainda está a nossa serviço, que o ajudemos na tarefa de deixar de
lado os nossos excessos de vaidade, de narcisismo, de futilidade. Que
finalmente possamos expor o que há de mais precioso em você, em mim, em
qualquer pessoa: nosso afeto e generosidade. Essa é a obra-prima de cada um,
extraída em meio ao entulho que nos cerca.
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