28
de maio de 2013 | N° 17446
FABRÍCIO
CARPINEJAR
O amor tem sono leve
Só aprendi
a amar uma mulher depois de ser pai. Antes me amava mais do que amava o outro.
A
paternidade mudou meu mundo. Pela primeira vez, me tornei invisível,
desaparecia no interior da casa, alguém era mais importante do que eu.
Permanecia
24 horas cuidando de minha filha. Existia por ela, para ela. Passei a destacar
o que não seria notícia, a me interessar pelos assuntos da praça, pelos
cuidados médicos, por aquilo que havia dentro do armário do banheiro, dentro da
despensa da cozinha, dentro de minha cabeça.
Só quando
pai é que descobri a diferença dos detalhes, a reparar na gola da camisa
desarrumada, no farelo do canto da boca, na remela nos olhos, na previsão
meteorológica, na lista do mercado sonhando almoço e janta.
Antes
amava a noite mais do que o dia. Quando nasceu minha filha, me dediquei à ordem
doméstica. Dispensei creche para assumir a rotina do nosso bebê.
Meu
expediente consistia em acordar, dar comida, trocar fraldas, dispor brinquedos,
arrumar bagunça, levar para passear, preparar o banho, contar histórias, fazer
dormir. E repetir exatamente tudo igual pela semana.
Controlava
os horários com rigor. O relógio entrou em meu sangue.
Era
um tal estado de solidão e carência, que todo beijo parecia um abraço dos lábios.
Era um tal estado de isolamento, que toda visita recebia o dobro de festa.
Tinha
direito a três telefonemas, justamente no momento em que minha criança
descansava. Brilhava cada palavra vinda dos amigos, como se fosse um sopro
benfazejo de praia no rosto.
A
paternidade transformou meus ouvidos. Eu comecei a escutar a residência
inteira, jamais dormi igual. Meu sono agora estava atento a qualquer ruído,
generoso, preparado para a vigília.
Só aprendi
a amar uma mulher depois de ser pai. Arrumando a merendeira, me importando se o
uniforme da filha estaria seco, conservando a memória da banalidade.
Antes
não me julgava romântico, antes não me via sensível, antes não compreendia vésperas.
Foi untando os dedos de hipoglós que valorizei o uso do perfume, foi juntando
meus pedaços que me formei inteiro.
Só com
a paternidade aprendi a esperar, aprendi a abandonar o egoísmo, aprendi a
planejar presentes, aprendi a ser provisório e não mais idealizar encontros,
aprendi a aproveitar o tempo que eu tinha e o tempo que podia, aprendi a não
reclamar à toa, a não mais diferenciar a janela da porta e o amor do perdão.
Só aprendi
a ficar de pé depois de ser pai, antes minha fé apenas engatinhava.
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