CONTARDO
CALLIGARIS
Somos muitos ou somos poucos?
Vamos
desaparecer por crescermos demais ou por extinção, como pandas que se
reproduzem pouco?
Na
sexta passada, imobilizado na av. Nove de Julho enquanto se aproximava a hora
da sessão de cinema para qual tinha adquirido meu ingresso, eu pensava que,
decididamente, somos muitos. Em compensação, sozinho, à noite, numa fazenda na
região do Urucuia, em Minas Gerais, ou numa ilha de Angra, já me aconteceu de
pensar que somos muito poucos.
No
fim de semana, li o novo livro de Dan Brown, "Inferno" (editora
Arqueiro). O romance me divertiu menos do que "O Código Da Vinci" e "Anjos
e Demônios" (ambos da editora Sextante); mesmo assim, terminei em dois
dias.
O
tema da vez é o crescimento demográfico. O vilão da história acha que o mundo
tem um único problema sério: a humanidade está crescendo de tal forma que, em
breve, sua subsistência se tornará impossível.
Todas
as inquietações ecológicas (a perspectiva da falta de água potável ou de
alimentos, o aquecimento global etc.) seriam, de fato, consequências do
crescimento enlouquecido de nossa espécie --fadada a desaparecer por seu próprio
sucesso.
Quantos
humanos nasceram na Terra desde a aparição do homem? Há estimativas para todos
os gostos. Segundo uma delas, mencionada no livro, foram 9 bilhões desde o começo,
e 7 desses 9 estão vivos hoje.
A
boa notícia é que, se o Juízo Final fosse hoje e todos os mortos voltassem,
haveria sem problema espaço para todos ficarmos sentados durante o julgamento
divino. Mas o cálculo não deixa de ser inquietante.
Mesmo
sem acreditar na estimativa que acabo de mencionar, é certo que o crescimento
populacional se acelerou de uma maneira bizarra. Éramos 1 bilhão em 1804,
levamos 150 anos para chegarmos a 3 bilhões (nos anos 60), e passamos dos 7
bilhões em 2011. Em 2050 poderíamos ser 10 bilhões.
Obviamente,
num primeiro momento, nem todos sofreriam de forma igual --afinal, desde que
viajo em classe executiva, nunca encontrei um problema de "overbooking".
Mas, no fim, será que vai caber todo mundo? Não seria honesto desejar grandes
epidemias purificadoras?
Ora,
enquanto Dan Brown me convencia de que somos muitos, a "Veja" de sábado
passado publicou uma matéria de capa sobre as mulheres que decidem não ter
filhos. O olho anunciava: "o número de famílias brasileiras sem filhos
cresce três vezes mais do que o daquelas com crianças".
Em
geral, quanto mais um povo se desenvolve cultural e economicamente (ou seja,
quanto mais um povo se parece com o Ocidente moderno e desenvolvido), tanto
menor é o número médio de filhos por família.
A
explicação desse fenômeno (quase uma regra sem exceções) é que, na cultura
ocidental moderna, os filhos são criados e amados na esperança de que realizem
os sonhos frustrados dos pais.
E,
se essa for nossa expectativa, melhor ter um ou, no máximo, dois filhos, para
podermos concentrar nossos esforços na hora de fazê-los felizes. Isso sem
contar o número (crescente em nossa cultura) de homens e mulheres que decidem não
ter filhos e se concentrar em sua própria felicidade.
Enfim,
para que a espécie não encolha, é preciso que, em média, haja 2,1 filhos para
cada dois adultos --ou seja, se todos casarem, nove em dez casais devem ter
dois filhos e um deve ter três. Uma boa metade da população da Terra (incluindo
o Brasil) não está fazendo o necessário para repor seus mortos.
Temporariamente,
haverá (já está havendo) deslocamento de populações dos lugares menos
modernizados e mais pobres (onde a população ainda cresce) para os lugares mais
ricos, onde ela diminui. Mas, e depois disso, se todos se "modernizarem"?
Em
conclusão, quem tem razão, "Veja" ou Dan Brown? Vamos desaparecer
porque estamos crescendo demais? Ou vamos desaparecer por extinção, como os
pandas, que deixaram de se reproduzir como deveriam?
Não
sei. Poderíamos sumir numa catástrofe ecológica antes de ter diminuído o
suficiente para que a Terra nos aguente --ou antes de ter inventado uma nova
maneira de viver, que a Terra aguente melhor. Ou, inversamente, poderíamos
minguar até sumir.
De
todo modo, a ideia do fim de nossa espécie é fascinante --um alívio, por tornar
nossa morte individual menos relevante, e um horror radical, por nos condenar a
morrer de novo e para sempre, no esquecimento.
Para
meditar sobre nosso sumiço futuro, confira o "O Mundo sem Ninguém",
no History Channel (www.migre.me/eLEu2) ou o original "Life After People"
(no YouTube), com seu aplicativo para celular.
ccalligari@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário