12
de maio de 2013 | N° 17430
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Sempre tem espaço no
amor
Tinha
sete anos quando meu pai saiu de casa.
Foi
minha maior solidão.
Concluído
o almoço, ia ao seu armário mexer nas roupas que ficaram do divórcio.
Reconstruía
o pai na cama de casal.
Por
ordem, colocava a boina, a camisa de linho, a gravata sobre a camisa, a calça,
o cinto, o carpim e os sapatos.
Era
meu quebra-cabeça em tamanho natural.
Conversava
longamente com seu traje estendido no lençol, imaginando que meu pai sesteava.
Um
dia minha mãe me pegou falando com os tecidos.
– O
que você está fazendo, Fabrício?
–
Nada, passando roupa. Brincando de passar roupa.
Eu
brincava de ser filho, no fundo. Brincava de saudade. Brincava de
reconciliação.
Lembrei
dessa cena da infância ao separar metade de meu armário para uso de minha
namorada.
Nunca
tive problema em ceder território. Prefiro oferecer as prateleiras. Não sou fã
do vazio.
Retirar
minhas coisas é me selecionar. Não sofro com o ato, não é nenhuma renúncia.
É a
alegria de mostrar que a minha vida estava incompleta mesmo, que ela veio me
preencher.
Enfrentei
várias mudanças nos meus 40 anos.
Já
partilhei quarto com dois irmãos, onde tinha direito a somente três gavetas
para encaixotar a minha tralha. Como é que comprimia a adolescência em pequena
cômoda? E ainda sobravam frestas para esconder os gibis.
Depois
ganhei um quarto sozinho e espalhei as roupas e ocupei todo o compartimento.
Tampouco compreendia como guardava tudo em três gavetas e em seguida faltava
espaço com o armário inteiro livre. Aquilo me intrigava. Redobrei atenção nas
aulas de Física, porém a poesia é que solucionou o desafio.
Na vida
adulta, após morar sozinho e acompanhado, solteiro e casado, fui entendendo que
tenho mais espaço na estreiteza. Eu me organizo melhor na generosidade. Eu me
penso melhor quando divido. Eu me cuido melhor quando alguém está comigo.
Não
tenho interesse em ganhar um closet, desfrutar de um quarto aos casacos ou aos
sapatos.
Independência
é conviver feliz dentro da intimidade.
A
ambição é deixar que minhas roupas casem também com as roupas dela, que nada
fique isolado e casmurro, perdido e avulso.
Hoje
estiquei a blusa da namorada na cama.
Melhor
sentir saudade na presença do que na ausência.
Vou
fingir que estou passando roupa de novo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário