terça-feira, 28 de maio de 2013


28 de maio de 2013 | N° 17446
CLÁUDIO MORENO

O que vale é a palavra

Muita gente acredita que convivemos com duas realidades distintas: de um lado, o mundo concreto do nosso dia-a-dia; do outro, a linguagem que usamos para falar sobre ele. Há, porém, os que defendem que tudo é uma coisa só, e que a vida é – nem mais, nem menos – exatamente aquilo que dizemos dela: o bom e o mau, o feliz e o infeliz, o falso e o verdadeiro não passam de palavras que aplicamos à nossa experiência. Isso fica muito claro nas duas pequenas histórias que seguem, colhidas nos clássicos para sua ilustração e divertimento.

Plínio, o Velho, conta o incidente que envolveu Toranius Flaccus, um conhecido mercador de escravos, e Marco Antônio, magistrado romano, futuro amor de Cleópatra. Ocorre que o primeiro havia capturado dois jovens escravos de rara beleza, tão parecidos que – embora um viesse da Ásia e o outro dos Alpes – apresentou-os como gêmeos a Marco Antônio, conseguindo na venda uma pequena fortuna.

A fraude logo foi descoberta porque os meninos, como seria de esperar, falavam línguas completamente diferentes. Furioso, o magistrado fez vir o mercador à sua presença e o cobriu de insultos, reclamando, principalmente, do preço exorbitante que tinha pago pelos falsos gêmeos, que não poderia mais exibir aos convidados.

“Pois não sei por que o senhor está se queixando” – respondeu o mercador – “quando, na verdade, deveria me agradecer. Se tivessem nascido da mesma mãe, a semelhança entre eles não seria tão espantosa – mas assim, entre duas crianças provenientes de lugares tão distantes, nunca foi visto nada igual. Eu não cobrei preço ainda maior só porque o senhor é bom freguês – mas se quiser desfazer a compra, tudo bem.

Alguém certamente vai pagar bem mais caro.” Diante dessas palavras, Marco Antônio trocou a indignação por um verdadeiro entusiasmo pela fantástica aquisição que tinha feito, passando a considerar os dois meninos como o seu bem mais valioso.

Montaigne, por sua vez, conta o caso daquele estrangeiro que saiu a proclamar nos lugares públicos, ruidosamente, que, em troca de uma considerável quantia, poderia ensinar a Dionísio, rei de Siracusa, um modo infalível de descobrir qualquer conspiração que os súditos pudessem estar tramando contra ele.


O rumor chegou aos ouvidos do rei, que mandou chamá-lo, pois queria aprender esta arte tão valiosa para sua segurança. O estranho então revelou o segredo: bastava entregar-lhe vinte quilos de prata e sair anunciando que havia aprendido uma técnica especialíssima de detectar levantes e conchavos. Dionísio entendeu o estratagema e mandou seu tesoureiro entregar o que o visitante pedia, pois ninguém ia acreditar que ele gastaria uma soma tamanha a não ser que tivesse realmente recebido uma informação secreta de grande valor – e, com isso, levou ainda mais medo aos inimigos que queriam o seu trono.

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