20
de maio de 2013 | N° 17438
ARTIGOS - Paulo Brossard*
Agruras do presidencialismo
Até ingressar
na magistratura e desquitar-me da atividade partidária, que exerci desde
estudante, durante 40 anos, tive ensejo de conhecer perfis, almas,
procedimentos relativos a candidatos que, em sua variedade, iam do ridículo ao
heroico, do paspalho ao astuto, do grotesco ao falso, do honrado desambicioso
leal, em uma palavra, exemplar, um arco de variadas cores.
E,
diante de tal riqueza, sempre eu perguntei como essa personagem não fora
aproveitada como figura central de um romance preparado por um escritor de
talento, a revelar a multiplicidade e riqueza, a pequenez e a grandeza dessa
figura, capaz de mostrar uma parcela da inacabável variedade do ser humano.
Essa
observação me veio à tona ao verificar as mutações que a senhora presidente vem
revelando, pelo menos em sua personalidade pública, desde que feita candidata à
reeleição. Não me aventurando à exegese do fenômeno, fico apenas em seu
registro.
Lembro
apenas que correu a versão segundo a qual seria pessoa de personalidade forte
ou marcante, quiçá autoritária, senão durona, qualidade que deixou entrever,
embora com cuidado, ao enfrentar indivíduos colocados em postos de relevo em
seu governo, seria o tempo da “faxina” que, aliás, teve a duração das rosas; e
depois da metamorfose ocorrida, pelo menos na imagem pública da atual
candidata, a durona chegou até à ressurreição de um ou outro faxinado.
Como
é óbvio, não possuo nenhum laboratório apto a selecionar e sancionar a
qualidade, louvável ou não, desta ou daquela situação concreta, imputável à cabeça
do governo; limito-me a acompanhar o que a imprensa divulga, para ficar no mais
acessível ou simples instrumento de divulgação dos fenômenos diários na imensa
congérie de fatores que dia a dia é distribuída a milhares de pessoas, que os
digere ou ignora.
Para
ilustrar o que me parece útil mostrar, reproduzo um dado que, sem ser
monumental, é revelador de sua inerente relevância. Repito o que foi divulgado:
a inadimplência do consumidor patina e recua em ritmo lento nos últimos meses,
porque a disparada da inflação acabou achatando a renda das famílias,
especialmente as mais pobres e que gastam mais com alimentos. Para manter o
padrão de consumo, a saída encontrada pelas famílias foi assumir novas dívidas.
Isso amplia o risco de inadimplência futura num cenário de alta da taxa de
juros.
Pretendia
mostrar alguns dados dessa realidade, mas fato novo me leva a mudar o tema. A
notícia do dia é relativa à aprovação da MP dos Portos após 50 horas de
confronto. Não tenho elementos para pronunciar-me acerca do merecimento de cada
uma das posições, e a matéria é de particular seriedade e de longa data o setor
se constituiu em um feudo. A senhora presidente, que tem o apoio de 18 ou 19
siglas, não conseguiu aprovar a MP como queria e só mediante concessões e
depois de esforços desmedidos.
É natural
que o governo conte com o apoio dos partidos que nele tem participação, como
também é natural que o governo não se submeta pura e simplesmente à maioria que
o prestigia. Deve haver determinado equilíbrio.
Nos
tempos da Arena, “o maior partido do Ocidente”, na expressão do antigo
presidente da agremiação, aprovou tudo e resultou que nunca mais veio a ser “o
maior partido do Ocidente”; trocou até de nome e de nada adiantou. Fala-se
agora na “quebra da base aliada”, quando se poderia denominar de fatalidade
inerente ao sistema presidencial, concebido quando as instituições democráticas
engatinhavam.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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