Os seios de Angelina
RUTH DE AQUINO
Esta mulher é surpreendente.
Nunca entrou para o primeiro time de atrizes, mas chegou a ser a mais bem paga
de Hollywood. Fez filmes bem ruins, estrelou fracassos comerciais. Ficou famosa
ao interpretar uma heroína de videogame, Lara Croft. Ganhou um Oscar de
Coadjuvante, em 1999, como uma jovem transtornada em Garota, interrompida.
>>Angelina Jolie é um bom
exemplo contra o câncer?
Não é, portanto, por seu
desempenho profissional que Angelina Jolie ganhou a estatura de musa
transcendental e universal. Ela jamais foi uma grande atriz. Na vida real,
inventou e reinventou para si mesma personagens transgressoras e radicais.
Quantas Angelinas foram desconstruídas até ela chegar à capa das últimas
revistas como uma deusa sublime, arauto do sofrimento de milhões de mulheres?
Angelina se impôs primeiro por
uma beleza exótica, quase excessiva. Olhos imensos e verdes. Lábios tão
carnudos que prestaram um desserviço a mulheres loucas e ansiosas para ganhar
“a boca da Jolie”, com preenchimentos mal-sucedidos. Pernas longuíssimas,
exibidas em fendas criadas por estilistas.
A perna direita de Angelina,
exposta por um modelo preto e recortado de Versace, na cerimônia do Oscar do
ano passado, ganhou, em minutos, um perfil no Twitter com mais de 10 mil
seguidores. Sua pose inspirou montagens hilárias de anônimos. A perna
“apareceu” em quadros clássicos, como A última ceia, de Leonardo da Vinci, e em
cenas históricas, como a chegada do homem à Lua.
Compondo com os olhos, a boca e
as pernas, uma outra parte do corpo de Angelina sempre esteve em evidência no
tapete vermelho, pelos decotes e vestidos tomara que caia: os seios fartos, um
dos símbolos de sua sensualidade. Foram esses seios que Angelina decidiu
retirar e substituir por próteses, como medida preventiva contra o câncer.
Não falarei sobre detalhes
médicos, o pânico da hereditariedade ou as siglas de genes mutantes. O que me
interessa – e sempre me intrigou nessa atriz americana de ascendência alemã,
eslovaca, canadense e holandesa – é sua personalidade. Se olharmos para sua
biografia, a decisão de Angelina de fazer e anunciar a dupla mastectomia no
jornal The New York Times tem tudo a ver com sua vida, nada convencional.
Não foi por seu desempenho
profissional que ela ganhou a estatura de musa transcendental...
Alguns enxergam seu ato como
coragem, outros como precipitação. Muitos acham sua cirurgia uma oportunidade
valiosa para discutir abertamente um dos maiores medos das mulheres. Hoje, não
fazemos só mamografias anuais, mas ultrassonografia e ressonância magnética das
mamas. Conversei com um mastologista que se confessou surpreso com a quantidade
de casos de câncer e a baixa idade de pacientes: “É como se fosse uma moda, uma
onda”, disse ele.
A fama de Angelina e a
repercussão de seu artigo ajudarão mulheres a conhecer métodos de prevenção e
cura. Ou aumentarão a fobia feminina. A conclusão mais óbvia e sensata é: cada
caso é um caso. A escolha de Angelina foi radical. Mas ela sempre foi radical.
Os pais se separaram quando era
bebê. Aos 7 anos, estreou no cinema ao lado do pai, o ator Jon Voight, com quem
brigou muito, até conseguir enfim remover seu sobrenome paterno na Justiça. Aos
14 anos, desistiu das aulas de teatro.
Queria ser agente funerária.
Usava só negro. Pintou os cabelos de roxo. Definia-se como uma “garota punk com
tatuagens”. Sofria surtos de depressão. Vivia se cortando, colecionava facas –
e cicatrizes. Tem dois ex-maridos. No primeiro casamento, vestia calça de couro
preta e uma camiseta branca. Escreveu o nome do marido na camiseta com seu
próprio sangue. Revelou ser bissexual e gostar de relações sadomasoquistas.
Com o ator Brad Pitt desde 2005,
estabilizou sua vida amorosa. Mas não se domesticou. Ela já tinha dois filhos
adotivos, do Camboja e do Vietnã, e o casal adotou mais um na Etiópia. Angelina
passou a liderar campanhas humanitárias, tornou-se embaixadora da ONU para
refugiados. A primeira filha biológica de Angelina e Brad nasceu na Namíbia, em
2006, e foi batizada como Shiloh Nouvel.
Os filhos gêmeos, Knox Leon e
Vivienne Marcheline, nasceram em Nice, na França, em 2008. O casal vendeu as
fotos para duas revistas de celebridades por uma fortuna – US$ 14 milhões –,
que afirmou ter doado à fundação beneficente Jolie-Pitt.
Hoje, Angelina tem sete tatuagens
no braço, com as coordenadas geográficas dos lugares de nascimento de Brad e
dos filhos. Aprendeu a pilotar aviões. “Voar”, afirmou, “é ainda melhor que
sexo.” Ela prometeu que só casaria oficialmente com Brad quando o casamento
homossexual fosse permitido em todos os Estados Unidos.
Diante de uma vida assim, a dupla
mastectomia preventiva aos 37 anos, sem o menor sinal de câncer, não deveria
surpreender tanto. É inútil enquadrar Angelina em algum padrão.
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