19 de maio de 2013 | N°
17437
FABRÍCIO CARPINEJAR
Depois do trabalho, ainda falta trabalhar a
relação
Amar não é suportar tudo.
Aguentar qualquer coisa.
Não é porque você ama que o amor
se faz sozinho.
Não é porque você conquistou quem
desejava que deve relaxar.
Não é porque alcançou a
independência financeira que já tem autonomia afetiva.
Quando chega em casa do trabalho,
depois de oito horas de incômodo, da chuva de cobranças e prazos, cansado,
estressado, faminto, não adianta afundar no sofá, esticar as pernas, esquentar
algo e se apagar.
Não terá direito à solidão e
ficar em paz. Não terá direito a não conversar. Não terá direito a não ser
afetuoso. Não terá direito a assistir televisão sem ninguém por perto.
Se pretende se isolar, não ouse
casar, não procure dividir o tempo e o abajur.
Quando regressa do serviço,
acabou a vida profissional, porém começa a vida pessoal. E do zero.
Sua mulher não tem que tolerar
seu desaparecimento, sua anulação, sua desistência pelos corredores.
Ela quer senti-lo, entendê-lo,
percebê-lo.
A noite é manhã para o amor.
Quando retorna da rua, agora é o instante
de trabalhar o relacionamento.
Da mesma forma em que seria
demitido se ofendesse um colega, não desfruta de espaço para agressão e gritos.
É a esfera da delicadeza, das pontas dos dedos no rosto, de emoldurar a
confiança.
Controle-se, comporte-se, cuidado
com o que diz, não se entregue ao cansaço.
Sua esposa nada tem a ver com
aquilo que cumpriu à luz do sol. Não conta pontos sua dedicação no escritório.
É um novo turno, sem
antecedentes, sem pré-história.
É a primeira vez durante o dia
que trocará assunto com ela (que seja separando as melhores peripécias). É a
primeira vez durante o dia que se dedicará a ouvi-la (que decore a intensidade
das palavras). É a primeira vez durante o dia que passará as mãos em seus
cabelos (que seja mais generoso do que a escova). É a primeira vez durante o
dia que beijará sua boca (que seja com calma da janela). É a primeira vez
durante o dia que presta atenção no que ela veste e como se veste (que seja com
atenção de alfaiate).
Não há como trapacear. Não há
como despistar, postergar para o final de semana.
É só você e ela.
Tome guaraná cerebral, emborque
litros de café, triture amendoim com os dentes. Mas se mantenha acordado. Não
se ganha um casamento empatando.
É o período de oferecer atenção
integral - ela espera que confirme os motivos para estarem juntos.
Por mais absurdo que soe, assim
que pousa sua pasta no chão da residência, inicia o expediente amoroso - todos
que amam têm dupla jornada.
É acolher as dúvidas, abraçar
demorado, preparar a janta, perguntar sobre os amigos, valorizar os apelidos,
deitar próximo, não se distanciar do campo elétrico da pele.
Amar é muito mais grave do que
uma profissão. Muito mais complicado. Não tem aposentadoria.
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