terça-feira, 14 de maio de 2013



14 de maio de 2013 | N° 17432
DAVID COIMBRA

Tudo tão confuso

O futebol gaúcho não existe mais.

Ao mesmo tempo, o futebol gaúcho venceu.

Hoje, quase todos os times do Brasil professam o futebol gaúcho, garra, garra, garra, marca, marca, marca! Uma desgraça.

O único time que não pratica o futebol gaúcho é o melhor deles, o Atlético Mineiro, que ataca com quatro, alegremente. Brasileiramente.

Sei quando o futebol gaúcho venceu e, vencendo, foi absorvido pelo resto do Brasil e, sendo absorvido, deixou de existir: foi mais ou menos na época em que o mundo inteiro mudou.

Curioso isso. Nos anos 90, achávamos que não haveria mais surpresas. O Muro de Berlim havia sido derrubado, a União Soviética havia se desunido, e Francis Fukuyama dizia que a História havia chegado ao fim. Já o futebol-força europeu, que fora assimilado por Foguinho nos anos 50, aplicado ao Grêmio de Aírton e Gessy e depois ao Inter de Falcão e Figueroa, esse futebol-força se consagrara em 1994, com a Seleção Brasileira mais dura da história conquistando uma Copa nos pênaltis.

Ou seja: estava tudo posto.

Então, Bin Laden derrubou as Torres Gêmeas e Guardiola levantou o Barcelona. A História não havia acabado e o futebol não estava pronto. Inacreditável. Como podia, ali, diante dos nossos olhos redondos de incredulidade, ao vivo pela TV, suceder-se algo com a dimensão da Tomada de Constantinopla, da Queda da Bastilha, da Passagem do Rubicão?

Como podia formar-se um time que tocava a bola como a Seleção Brasileira de 70 ou como o Flamengo de 80 e marcava como o Grêmio de 90? Como explicar aqueles pequeninos, Xavi, Iniesta e Messi, habilidosos como Paulo César Caju, Zico e Rivellino, esforçando-se como Mauro Silva, Zito e Dinho?

O mundo ficou mais confuso, de uns tempos para cá. Nessa confusão, as ideologias e os estilos de futebol se misturaram. Como pode a China ser uma ditadura comunista com um sistema econômico capitalista? Como pode um time alemão como o Bayer atacar com dois pontas abertos?

Os maiores afetados por tais dilemas foram os campeões do capitalismo, os Estados Unidos, e os campeões do futebol, a Seleção Brasileira. Um e outra perderam a segurança.

Quem somos? Gaúchos como o Corinthians ou cariocas como o Atlético Mineiro? Respostas até 1014, por favor.

Os quatro grandes

O futebol gaúcho se ergueu sobre três pilastras.

1. O inventor.

Foi Foguinho, que, em 1953, em excursão histórica com o Cruzeiro de Porto Alegre, viu o Real Madrid de Puskas e voltou embasbacado e decidido a implantar o futebol-total.

2. Os propagandistas.

Foram dois, Lauro Quadros e Ruy Carlos Ostermann. O primeiro, Ruy, que bebia direto dos ensinamentos de Foguinho. Depois, Lauro popularizou o que Foguinho pregava. Ruy e Lauro fundaram a ideologia do futebol gaúcho, como se fossem Marx e Engels lançando o Manifesto Comunista.

3. O símbolo.

Foi Caçapava. Em 1975, ele marcou, e anulou, o melhor jogador do Brasil, Rivellino, no templo do Maracanã. Era a vitória da força sobre a arte; do esforço sobre o talento. Ninguém mais se lembraria que o futebol gaúcho vencia graças a Falcão e Renato. Era o começo da confusão.

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