21
de maio de 2013 | N° 17439
LUÍS
AUGUSTO FISCHER
Eu odeio a classe média
Estava
lendo um interessante artigo de Benedict Anderson para a Revista da Nova
Esquerda (newleftreview.org) sobre a distribuição do prêmio Nobel de literatura
pelo mundo afora, quando fui passear no facebook, este pátio escolar em que
tudo pode acontecer.
E
então me deparei com uma chamada para vídeo com a conhecida filósofa Marilena
Chauí. O título me convocou: “A maldição da classe média”. Eu, classe média sem
vergonha dessa circunstância, alguém que sabe que a classe média é peça central
do mundo, inclusive o da literatura, lá me fui.
A
conhecida filósofa estende um interessante raciocínio: considera um equívoco
conceber como classe média os trabalhadores que agora usufruem de certos
direitos e que podem dispor de alguma escolha no consumo, até mesmo cultural. Estou
acompanhando o raciocínio e considerando correto o rumo da coisa.
Aí,
aos 3 minutos e 35 segundos, ela profere uma frase perfeitamente imbecil: diz
que está renegando essa denominação porque ela odeia a classe média. (Não
preciso dizer que a plateia, por certo de classe média mas com as cangalhas do
esquerdismo trivial, a aplaude com ganas.)
Minha
estupefação é grande. Penso em voltar ao artigo do Nobel, para oferecer aos
meus escassos leitores um passeio pelos caminhos da geopolítica literária, mas
não paro de pensar na filósofa que odeia toda uma classe, casualmente a minha. Mas
por quê? Aliás, é possível odiar uma classe? O marxismo original preconizava o
combate à burguesia, em favor do socialismo. Mas burguesia não é igual a classe
média; será combate igual a ódio?
Por
certo há, na classe média, talvez mais do que acima e abaixo dela, muita gente
trivial, que não pensa e não gosta de quem pensa; mas na classe média,
igualmente, não nascem pessoas que valem a pena, inclusive para os melhores
propósitos da esquerda democrática, como a luta pela distribuição de renda e
pela igualdade de direitos?
Que
mundo. Ainda não parei de me espantar. Uma pessoa culta e articulada como ela
sentir, pensar e declarar isso é tão patético e tão imbecil quanto um racista
que odeia negros ou judeus ou alemães ou índios.
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