05
de maio de 2013 | N° 17423
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Pescaria com a
namorada
Deitado
no sofá com a namorada Juliana, com as nossas pernas trançadas, fazia planos.
Quando fingimos assistir televisão, é que conversamos sério.
–
Vamos morar junto.
–
Vamos casar na igreja.
–
Vamos ter um filho.
–
Vamos envelhecer lado a lado.
–
Vamos pescar.
Neste
momento, ela me interrompeu:
–
Pescar? Por quê?
Juliana
não estranhou nenhuma das minhas afirmações anteriores, bem mais sérias, para
quem está namorando apenas há um mês. Aceitou com naturalidade comprometer sua
vida comigo; o que achou esquisita foi a pescaria, numa completa inversão de
expectativas.
Para
os crédulos e os céticos, para os normais e comportados, pescar seria a única
alternativa aceitável. As demais seriam vistas como ameaça, desatino,
irresponsabilidade.
Demonstrar
confiança na posteridade da relação é um gesto de pressão e sufocamento. É
forçar a barra, anular a individualidade. Os passos afetivos devem ser miúdos e
recalcados, se possível com o casal descendo as escadas segurando no corrimão.
Para
a maioria, esse diálogo apressaria discussões, terminaria relacionamento e
geraria debandadas de escovas de dente das canecas do banheiro.
Existe
um pânico de ser espontâneo a favor do romance. Como se fosse uma maldição,
como se o amor fosse uma promessa política vigiada pelos eleitores.
Muitos
nem falam o que desejam para não serem cobrados no futuro. E perdem a chance de
aprender a falar.
Juliana
ofereceu um espetáculo de fé na gente. Suspirei e ri ao mesmo tempo, de feliz
de dividir as sobrancelhas com alguém que não se amedronta em sonhar.
Porque
não vejo problema algum em sentir medo da vida, mas sentir medo de sonhar é o
cúmulo da covardia.
É a
liberdade de querer, que ninguém pode nos tirar. Não planejar a relação para
não sofrer só deixa o sofrimento mais despreparado.
Quando
realmente amamos, nada é impossível. Nada é sobrenatural. Não resta o pânico da
formalidade e do compromisso.
Não
receamos firmar pactos, desenhar o futuro, elaborar viagens, confessar as
fantasias dentro de casa.
Entre
nós, o pudor não pode mandar. Quando tememos dizer algo, até o silêncio será
incômodo.
A
recompensa da convivência supera as fobias, e as aparências regradas. Ainda
vou convencê-la a pescar comigo. Será
difícil, porém consigo. Talvez leve uns dois anos.
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