27
de maio de 2013 | N° 17445
ARTIGOS
- Paulo Brossard*
Ruy Mesquita e a imprensa sem
peias
O
Estado de S. Paulo é o maior, mas não o mais antigo jornal do país, embora o
seja de São Paulo, pois antes dele entraram a circular e continuam circulando
pelo menos duas folhas, o Diário de Pernambuco e o Jornal do Comércio, do Rio
de Janeiro. Estas lembranças me vieram à mente acerca do falecimento de Ruy
Mesquita, que, desde a morte de seu irmão, Júlio de Mesquita Neto, passou a ser
a primeira figura do grande jornal, ele que fora o fundador e diretor do Jornal
da Tarde.
A
morte do jornalista ensejou fosse apreciada sua dimensão entre os profissionais
da imprensa, bem como a posição que lhe cabia nos planos nacional e
internacional. E foram de louvor, sem discrepância, as apreciações acerca de
sua dedicação ao mundo do jornal.
Como
uma ideia puxa a outra, dei-me conta de que o “Estadão”, como veio a ser
popularmente denominado, converteu-se em uma espécie de escola de jornalismo e,
entre outras notas distintivas, primou em guardar acentuada homogeneidade. Esta
me parece derivar da circunstância de, em mais de século, ter sido confiada a
uma família de jornalistas.
Sem
contar os anos iniciais da propaganda, ao tempo da Província de S. Paulo, a
partir da República esteve sob a direção sucessiva de Júlio de Mesquita, Júlio
de Mesquita Filho, Francisco de Mesquita, Júlio de Mesquita Neto e Ruy
Mesquita, à exceção do período em que o jornal, confiscado, exilados seus
diretores, perdeu seu caráter próprio. A permanência da família, sem solução de
continuidade, não impediu que Nestor Pestana e Plínio Barreto, jurista, homem público
e jornalista, fossem seus diretores.
Em
outras palavras, de 1891 a 2013 o jornal viveu sob a direção de três gerações
de uma família, ligadas não só por seus laços, mas também por vínculos
culturais em seu mais amplo sentido, de modo que o pecúlio imaterial que se foi
formando, a despeito das imensas transformações do mundo, fosse se enriquecendo
num prolongamento orgânico das linhas iniciais do empreendimento; a fidelidade
aos padrões originários assegurou a homogeneidade nascente perpetuada até hoje.
Se é
exato que a empresa jornalística necessita de estrutura em tudo adequada às
suas necessidades, de modo a zelar por sua funcionalidade material, ela não
exclui a singularidade peculiar, pois, se o jornal não dispensa imprescindível
saúde financeira, seu escopo não será exclusivo ou mesmo predominantemente econômico,
pois não poderá desligar-se de suas preocupações específicas, marcadamente
imateriais.
Por
estas ou aquelas razões, o certo é que o fenômeno “Estado” aparece como uma
eminência no meio em que nasceu e cresceu até tornar-se entidade nacional de
expressão internacional, e Ruy Mesquita foi a derradeira personalidade da
terceira geração da família Mesquita, que se confunde com a empresa centenária
a partir de 1891 e, dadas suas qualidades, herdadas e adquiridas, veio a
imprimir significativo contributo à antiga instituição, aditando e enriquecendo
o singular patrimônio acumulado em mais de século, com naturalidade e
descortino, segurança e firmeza.
Na
apreciação dos que o conheceram no dia a dia de alguns anos, que não foram
poucos, ele se afirmou sem alarde e quase sem esforço à altura de seus
antecessores. A mim parece que o jornalismo brasileiro perde em Ruy Mesquita
uma de suas expressões mais completas e harmoniosas.
Embora
não passe de velharia, ainda existe entre nós quem defenda a “regulamentação” da
imprensa, que, em verdade, não passa de pseudônimo do domínio sobre a livre
informação. Na simpática República Argentina, por exemplo, seu governo se
afoita em hostilizar frontalmente o seu maior complexo noticioso, repetindo a
selvagem agressão de outro governo contra dois ornamentos da nação irmã, La
Nación e La Prensa. É a razão por que foram oportunas as homenagens ao
jornalista falecido por sua fidelidade à imprensa sem peias, internacionalmente
reconhecido.
*JURISTA,
MINISTRO APOSENTADO DO STF
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