23
de maio de 2013 | N° 17441
PEDRO
GONZAGA
A cidade
A câmara
fecha o foco sobre um homem calvo e atarracado. Suas mãos de dedos curtos abraçam
o gradil de uma das tantas pontes de Paris. Trata-se do mais inusitado programa
de viagens de que posso recordar. Nosso homem, o apresentador, um simpático
australiano de meia-idade, recupera as aventuras dos últimos dias.
Uma
jovem que lhe servira de guia por uma boate da moda acaba de deixá-lo. Com os
olhos no Sena, ele reflete sobre o sonho juvenil de ter ido morar ali, ser
escritor ou jornalista, e quem sabe ter tido uma filha como a moça que o
acompanhara. Seria assim um parisiense, ela sua filha parisiense, e teria
amigos parisienses com quem privaria num café parisiense. Mas ele nunca partiu.
Ganhou (perdeu) a vida inteira na Austrália.
Não
havia remorso ou desilusão em sua fala. Sabia que a vida é breve. E depois
irreversível e incapaz de ser múltipla. Revelava, no entanto, um sentimento que
tocará, por certo, alguns leitores neste nosso canto do mundo. Vamos chamá-lo
de desvalia periférica: o sentimento de que a vida, nossa vida, passada aqui e
aqui perdida, seria gasta com muito mais brilho num grande centro urbano.
Um
poeta de origem grega, melhor do que ninguém, soube conformar essa sensação de
desvalia periférica. Kaváfis viveu boa parte de sua vida em Alexandria, orgulho
do mundo clássico, pouco mais, contudo, do que um nome no mapa colonialista ao
início do século 20.
Não à
toa, em tantos poemas, tratou de figuras de um passado helênico perdido,
condenadas a ver sua importância transformada em impotência. Num poema
exemplar, chamado A Cidade, encontramos um desses homens, talvez nós mesmos,
talvez o australiano viajante, a ouvir a condenação temida, mas que aqui – em
belíssima contrariedade –, tem também um quê de consolação:
“Envelhecerá
na mesma vizinhança; e nestas/ mesmas casas há de se tornar grisalho. Você sempre/
chegará à mesma cidade. Não tenha qualquer esperança de escapar,/ não há nenhum
barco à sua espera, nenhuma estrada para fora da cidade./ Assim como você desperdiçou
sua vida aqui, neste canto esquecido/ desperdiçou-a no mundo todo.”
Durante
muitos anos, quando jovem, pensei em deixar Porto Alegre, como fizeram muitos
de meus amigos e colegas de geração. Consumidos os anos, sempre que voltamos a
nos encontrar, pergunto-me como seriam se tivessem ficado aqui, como eu fiquei.
Sei
que não é mais do que uma dessas perguntas de boteco. Como se poderia, afinal,
fazer tal comparação? No mundo visível, acabamos grisalhos, aqueles que ainda têm
a sorte dos cabelos. Perdi os meus em Porto Alegre. Mas como o australiano: sem
mágoas.
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