sábado, 25 de maio de 2013


25 de maio de 2013 | N° 17443
CLÁUDIA LAITANO

Proust e o Facebook

Como muitos habitantes deste século 21, Proust vivia pendurado no telefone. O aparelho chegou a Paris no final do século 19, e o autor de Em Busca do Tempo Perdido foi provavelmente o primeiro grande escritor a celebrar as qualidades transcendentais da novidade:

“A admirável feitiçaria na qual bastam alguns instantes para que surja perto de nós, invisível mas presente, o ser com quem queríamos falar, e que, sentado em sua mesa, na cidade que habita (minha vó estava em Paris), sob um céu diferente do nosso, num tempo que não é exatamente o mesmo, no meio de circunstâncias e de preocupações que ignoramos e que esse ser irá nos contar, esse ser se vê de repente transportado a centenas de léguas dali (ele e todo o ambiente em que está mergulhado), perto da nossa orelha, no momento em que nosso capricho ordenar”.

Proust (1871-1922) escreveu sobre outros assuntos “quentes” , como o Caso Dreyfuss e o impressionismo, sem medo de contaminar sua obra com a tinta fresca dos acontecimentos. Em se tratando de um observador inigualável dos costumes da sua época, somos tentados a imaginar quais seriam suas impressões sobre temas como o existencialismo, os Beatles, a aprovação do casamento gay na França... Mas pouco do que veio depois parece tão talhado para um exame proustiano (minucioso, irônico, profundo, mundano) quanto as redes sociais.

A passagem do tempo, a memória e a complexa engenharia das relações sociais são temas que Proust explora à exaustão nos sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido. Diante da gigantesca oferta de madeleines do Facebook, Proust provavelmente teria assunto para pelo menos outros sete livros.

Imagine um autor capaz de escrever 10 páginas a respeito de uma única troca de olhares descrevendo um ambiente em que convivem companheiros de infância e amigos recentes, empregados e seus patrões, amantes do passado e futuros pretendentes – todos interagindo em um improvável tempo presente e submetidos a regras de convívio ainda não totalmente estabelecidas.

Esse teatro virtual em que não apenas as celebridades têm uma identidade pública e outra privada, mas todas as pessoas – e não apenas uma única identidade privada, mas várias: o filho, o amigo, o conhecido, o colega de trabalho, o empregado... – teria feito vibrar o escritor que melhor retratou o complexo jogo de aparências que movia a sociedade francesa até a I Guerra decretar que nada mais seria como antes.


Ler as observações de Proust sobre o telefone nos convida a imaginar quem são os escritores que estão conseguindo retratar as redes sociais e seu impacto na vida cotidiana, revelando de que forma essa “admirável feitiçaria” tem modificado nossa percepção do mundo e do nosso lugar no tempo e no espaço.

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