Jaime Cimenti
Cemitério, 1785, escavação, um ano
diferente
Puro, livro do inglês Andrew
Miller, nascido em Bristol em 1960 e autor de vários romances premiados, trata
de acontecimentos em Paris, em 1785, um ano de ossos, de escavação de covas, de
corpos mumificados e padres cantores, de trabalho incessante e que se tornou um
ano diferente, em função, também, de amizade, estupro, desejo, amor, suicídio e
morte súbita. Não por acaso, Andrew Miller está sendo considerado um dos
escritores ingleses mais importantes da atualidade.
Puro, seu livro de estreia no
Brasil, além de ganhar o Costa Boook Award, foi finalista do Walter Scott Prize
e do South Bank Award. Miller já viveu na Espanha, no Japão, na França, na Irlanda
e, atualmente, mora em Somerset, Inglaterra. Na Paris de 1785, Jean-Baptiste
Baratte, um jovem engenheiro de origem modesta, recebe de um dos ministros do
rei Luiz XVI uma missão desafiadora: “livrar-se” da igreja e do cemitério de
Les Innocents.
O cemitério vem acumulando corpos
há séculos, chegando ao ponto de a população vizinha sentir o gosto dos
cadáveres na comida e na água. Respiram a morte, têm seu cheiro, seu hálito. No
começo, Baratte vê nessa empreitada uma chance de limpar o fardo da história, a
tarefa perfeita para um homem moderno, do futuro, da razão. Mas ele logo
percebe que a igreja e o cemitério são apenas prenúncios de uma queda maior que
está por vir.
Os rumores de uma grande mudança
que se aproxima ganham volume, e o povo se divide quanto ao trabalho de
Baratte: ao mesmo tempo que a cidade não suporta mais um cemitério que não para
de receber corpos e não tem para onde crescer, é difícil aceitar a mudança e
tirar de cena um dos marcos do passado monárquico. Os ossos que emergem de
séculos de descanso e a agitação contra a corte de Luiz XVI vão mostrando que o
futuro que Baratte planejou para si pode não ser o que ele pretendia. Com base
em pesquisas, a narrativa recria a Paris pré-Revolução, com linguagem
aparentemente simples, mas muito poética.
A crítica especializada destacou
o romance como um conto de fadas violento para adultos, uma narrativa brilhante
e cheia de fantasia, com final comovente, e ressaltou a evocação tangível de um
mundo que já não mais existe.
A narrativa traz detalhes fugazes
da existência com clareza e aproveita bem os atalhos da história e a riqueza
dos personagens do período. É bem por
aí. Um competente romance com fundo histórico, tratando de um ano ímpar. Bertrand
Brasil, 376 páginas, tradução de Regina Lyra, mdireto@record.com.br.
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