sexta-feira, 17 de maio de 2013


Jaime Cimenti

Cemitério, 1785, escavação, um ano diferente

Puro, livro do inglês Andrew Miller, nascido em Bristol em 1960 e autor de vários romances premiados, trata de acontecimentos em Paris, em 1785, um ano de ossos, de escavação de covas, de corpos mumificados e padres cantores, de trabalho incessante e que se tornou um ano diferente, em função, também, de amizade, estupro, desejo, amor, suicídio e morte súbita. Não por acaso, Andrew Miller está sendo considerado um dos escritores ingleses mais importantes da atualidade.

Puro, seu livro de estreia no Brasil, além de ganhar o Costa Boook Award, foi finalista do Walter Scott Prize e do South Bank Award. Miller já viveu na Espanha, no Japão, na França, na Irlanda e, atualmente, mora em Somerset, Inglaterra. Na Paris de 1785, Jean-Baptiste Baratte, um jovem engenheiro de origem modesta, recebe de um dos ministros do rei Luiz XVI uma missão desafiadora: “livrar-se” da igreja e do cemitério de Les Innocents.

O cemitério vem acumulando corpos há séculos, chegando ao ponto de a população vizinha sentir o gosto dos cadáveres na comida e na água. Respiram a morte, têm seu cheiro, seu hálito. No começo, Baratte vê nessa empreitada uma chance de limpar o fardo da história, a tarefa perfeita para um homem moderno, do futuro, da razão. Mas ele logo percebe que a igreja e o cemitério são apenas prenúncios de uma queda maior que está por vir.

Os rumores de uma grande mudança que se aproxima ganham volume, e o povo se divide quanto ao trabalho de Baratte: ao mesmo tempo que a cidade não suporta mais um cemitério que não para de receber corpos e não tem para onde crescer, é difícil aceitar a mudança e tirar de cena um dos marcos do passado monárquico. Os ossos que emergem de séculos de descanso e a agitação contra a corte de Luiz XVI vão mostrando que o futuro que Baratte planejou para si pode não ser o que ele pretendia. Com base em pesquisas, a narrativa recria a Paris pré-Revolução, com linguagem aparentemente simples, mas muito poética.

A crítica especializada destacou o romance como um conto de fadas violento para adultos, uma narrativa brilhante e cheia de fantasia, com final comovente, e ressaltou a evocação tangível de um mundo que já não mais existe.

A narrativa traz detalhes fugazes da existência com clareza e aproveita bem os atalhos da história e a riqueza dos personagens do período.  É bem por aí. Um competente romance com fundo histórico, tratando de um ano ímpar. Bertrand Brasil, 376 páginas, tradução de Regina Lyra, mdireto@record.com.br.

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