18 de maio de 2013 | N°
17436
MATÉRIA DE CAPA
MOMENTO PARA SE DESCOBRIR
VOCÊ ESTÁ ANGUSTIADO COM OS RUMOS
DA SUA VIDA? CONHEÇA GENTE QUE LARGOU TUDO PARA MERGULHAR EM UMA JORNADA DE
REDESCOBERTA E REINVENÇÃO, NO CHAMADO PERÍODO SABÁTICO
No mundo judaico antigo, um de
cada sete anos era destinado por lei ao repouso compulsório. A terra não podia
ser cultivada, as dívidas se extinguiam, os escravos conquistavam a liberdade.
Não era permitido sequer colher os frutos das árvores. Terminado esse período,
conhecido como ano sabático, tinha início um novo ciclo de vida.
Nos dias atuais, o sabático está
de novo em evidência, mas agora com um novo significado, de caráter pessoal. A
ideia básica ainda é realizar uma pausa prolongada antes de uma nova etapa. Mas
já não se trata apenas de deixar a terra inculta. A meta agora é cultivar o espírito,
para que algo novo floresça.
Os “sabatistas” de hoje dão uma
resposta radical a angústias que são de quase todo mundo: de sentir-se esmagado
por uma rotina que deixou de fazer sentido, de ser prisioneiro de decisões
tomadas em um passado com qual já não é possível identificar-se, de ter a
sensação de que todo novo dia é sempre o mesmo dia, sem conduzir a nada.
Diante disso, os adeptos do
sabático abandonam afazeres e responsabilidades para mergulhar dentro de si
mesmos, em uma jornada de redescoberta e reinvenção.
Nessa nova encarnação, o ano
sabático deixou de ser uma obrigação religiosa para virar um sonho acalentado
por muitos, ainda que realizado por poucos – bem poucos. Mesmo assim,virou um
fenômeno pop, alimentado pelo exemplo de celebridades como a ex-apresentadora
do Fantástico Glória Maria e o ex-técnico do Barcelona Josep Guardiola, que
renunciaram a suas posições para sair em busca de seu verdadeiro eu.
O dado animador para quem está
buscando coragem de também largar tudo para se encontrar é que existem exemplos
concretos fora do mundo das celebridades e dos muito ricos. Nesse sentido, vale
a pena relatar a experiência transformadora vivida pela porto-alegrense Laura
Miguel Ries.
Até 2007, a vida de Laura seguia
o script previsível: formou-se em Direito na PUCRS, fez pós-graduação na área
tributária, empregou-se em um grande escritório de advocacia. Como quase todo
mundo, trabalhava horas sem fim para vencer prazos.
– Comecei a ver que aquilo não
tinha nada a ver comigo – conta ela.
A insatisfação chegou ao limite
seis anos atrás, quando Laura trabalhava em um escritório de Florianópolis.
Mas, duas vezes por semana, tinha um desafogo: dava aulas de ioga, que começara
a praticar anos antes, como forma de estar serena para a prova da OAB, após
duas reprovações. A cada dia, via-se mais como professora de ioga e menos como
advogada.
– Eu estava dividida. Comecei a
me sentir muito longe da advocacia. Pensava assim: “Estou com 26 anos e faço
uma coisa de que eu não gosto. Mas como vou viver de ioga?”. Até que finalmente
decidi: “Sabe de uma coisa? Vou para a Índia e vou repensar tudo”.
Para bancar a empreitada, Laura
raspou o fundo de garantia e vendeu o carro. Os amigos achavam que estava
louca. O pai ficou inconformado. Na bagagem, levou uma mochila quase vazia, não
queria sequer usar as roupas da antiga Laura.
– Queria me desligar das
referências que tinha e ir despida e aberta para o que viesse, sem pensar na
volta – conta.
Laura foi para Mysore, no sul da
Índia, com a ideia de se aprofundar na ashtanga yoga. Lá funcionava o centro
mantido por Pattabhi Jois, responsável por desenvolver o método. Ela estava tão
determinada a prolongar ao máximo seu período sabático que economizava cada
centavo. Chegava a cortar o próprio cabelo, para poupar.
Depois de dois meses, achou que
lhe faltava devolver o que tinha recebido, na forma de trabalho voluntário.
Seguiu para Boudhnat, no Nepal, e começou a ensinar inglês a refugiados
tibetanos. Uma noite, depois de comunicar-se com a família via Skype em uma lan
house, foi abordada por um português. Ele contou-lhe que estava no país para
montar uma ONG em benefício de meninas prostitutas de Katmandu.
– Posso ajudar. Tenho tempo livre
– entusiasmou-se Laura.
O Voluntariado levou
Laura até o Nepal
O projeto sofreria uma
reviravolta. Laura e o português encontraram uma finlandesa que visitava o
Nepal para conhecer o abrigo para crianças para o qual contribuía
financeiramente. O trio foi ao local e teve um choque: a entidade era uma
fraude. As 34 crianças, com idade entre dois e nove anos, viviam em condições
subumanas e tinham nos corpos marcas de espancamento. O dono estava envolvido
em tráfico de menores para prostituição e transplante de órgãos.
Laura e o amigo resgataram as
crianças e, em lugar da ONG, montaram uma entidade para cuidar delas. Os 30
dias que a jovem gaúcha planejara no Nepal acabaram por virar seis meses de
trabalho voluntário.
– Foi um período muito pesado.
Chorei inúmeras vezes com as histórias de maus tratos. Vivi coisas muito
fortes. Mas estava apaixonada por aquilo e não queria voltar.
O retorno a Porto Alegre ocorreu
depois de 11 meses, em 2008, por insistência do hoje marido, mas durou poucos
dias. Ela voltou ao Oriente para ensinar ioga na Tailândia e percorrer a Índia.
O retorno definitivo foi em 2009 – se é que se pode falar em retorno:
– Acho que continuo lá. Sou outra
pessoa, muito distante do que eu era. Voltei sabendo com clareza o que quero.
Quando montou uma escola de ioga
na Capital, Laura sentia-se tão longe da advogada que não foi capaz de preparar
os contratos do empreendimento – pareciam escritos em um idioma estranho. Aos
33 anos, ela recomenda que outras pessoas façam como ela, mas com precauções:
– Se a pessoa está feliz com seu
mundo, eu digo: não vai. Conheço gente que largou tudo e não se encontrou. Mas
acho importante sair do seu ambiente para se reestruturar.
itamar.melo@zerohora.com.br
18 de maio de 2013 | N°
17436
MATÉRIA DE CAPA
MOMENTO PARA SE DESCOBRIR
VOCÊ ESTÁ ANGUSTIADO COM OS RUMOS
DA SUA VIDA? CONHEÇA GENTE QUE LARGOU TUDO PARA MERGULHAR EM UMA JORNADA DE
REDESCOBERTA E REINVENÇÃO, NO CHAMADO PERÍODO SABÁTICO
No mundo judaico antigo, um de
cada sete anos era destinado por lei ao repouso compulsório. A terra não podia
ser cultivada, as dívidas se extinguiam, os escravos conquistavam a liberdade.
Não era permitido sequer colher os frutos das árvores. Terminado esse período,
conhecido como ano sabático, tinha início um novo ciclo de vida.
Nos dias atuais, o sabático está
de novo em evidência, mas agora com um novo significado, de caráter pessoal. A
ideia básica ainda é realizar uma pausa prolongada antes de uma nova etapa. Mas
já não se trata apenas de deixar a terra inculta. A meta agora é cultivar o espírito,
para que algo novo floresça.
Os “sabatistas” de hoje dão uma
resposta radical a angústias que são de quase todo mundo: de sentir-se esmagado
por uma rotina que deixou de fazer sentido, de ser prisioneiro de decisões
tomadas em um passado com qual já não é possível identificar-se, de ter a
sensação de que todo novo dia é sempre o mesmo dia, sem conduzir a nada.
Diante disso, os adeptos do
sabático abandonam afazeres e responsabilidades para mergulhar dentro de si
mesmos, em uma jornada de redescoberta e reinvenção.
Nessa nova encarnação, o ano
sabático deixou de ser uma obrigação religiosa para virar um sonho acalentado
por muitos, ainda que realizado por poucos – bem poucos. Mesmo assim,virou um
fenômeno pop, alimentado pelo exemplo de celebridades como a ex-apresentadora
do Fantástico Glória Maria e o ex-técnico do Barcelona Josep Guardiola, que
renunciaram a suas posições para sair em busca de seu verdadeiro eu.
O dado animador para quem está
buscando coragem de também largar tudo para se encontrar é que existem exemplos
concretos fora do mundo das celebridades e dos muito ricos. Nesse sentido, vale
a pena relatar a experiência transformadora vivida pela porto-alegrense Laura
Miguel Ries.
Até 2007, a vida de Laura seguia
o script previsível: formou-se em Direito na PUCRS, fez pós-graduação na área
tributária, empregou-se em um grande escritório de advocacia. Como quase todo
mundo, trabalhava horas sem fim para vencer prazos.
– Comecei a ver que aquilo não
tinha nada a ver comigo – conta ela.
A insatisfação chegou ao limite
seis anos atrás, quando Laura trabalhava em um escritório de Florianópolis.
Mas, duas vezes por semana, tinha um desafogo: dava aulas de ioga, que começara
a praticar anos antes, como forma de estar serena para a prova da OAB, após
duas reprovações. A cada dia, via-se mais como professora de ioga e menos como
advogada.
– Eu estava dividida. Comecei a
me sentir muito longe da advocacia. Pensava assim: “Estou com 26 anos e faço
uma coisa de que eu não gosto. Mas como vou viver de ioga?”. Até que finalmente
decidi: “Sabe de uma coisa? Vou para a Índia e vou repensar tudo”.
Para bancar a empreitada, Laura
raspou o fundo de garantia e vendeu o carro. Os amigos achavam que estava
louca. O pai ficou inconformado. Na bagagem, levou uma mochila quase vazia, não
queria sequer usar as roupas da antiga Laura.
– Queria me desligar das
referências que tinha e ir despida e aberta para o que viesse, sem pensar na
volta – conta.
Laura foi para Mysore, no sul da
Índia, com a ideia de se aprofundar na ashtanga yoga. Lá funcionava o centro
mantido por Pattabhi Jois, responsável por desenvolver o método. Ela estava tão
determinada a prolongar ao máximo seu período sabático que economizava cada
centavo. Chegava a cortar o próprio cabelo, para poupar.
Depois de dois meses, achou que
lhe faltava devolver o que tinha recebido, na forma de trabalho voluntário.
Seguiu para Boudhnat, no Nepal, e começou a ensinar inglês a refugiados
tibetanos. Uma noite, depois de comunicar-se com a família via Skype em uma lan
house, foi abordada por um português. Ele contou-lhe que estava no país para
montar uma ONG em benefício de meninas prostitutas de Katmandu.
– Posso ajudar. Tenho tempo livre
– entusiasmou-se Laura.
O Voluntariado levou
Laura até o Nepal
O projeto sofreria uma
reviravolta. Laura e o português encontraram uma finlandesa que visitava o
Nepal para conhecer o abrigo para crianças para o qual contribuía
financeiramente. O trio foi ao local e teve um choque: a entidade era uma
fraude. As 34 crianças, com idade entre dois e nove anos, viviam em condições
subumanas e tinham nos corpos marcas de espancamento. O dono estava envolvido
em tráfico de menores para prostituição e transplante de órgãos.
Laura e o amigo resgataram as
crianças e, em lugar da ONG, montaram uma entidade para cuidar delas. Os 30
dias que a jovem gaúcha planejara no Nepal acabaram por virar seis meses de
trabalho voluntário.
– Foi um período muito pesado.
Chorei inúmeras vezes com as histórias de maus tratos. Vivi coisas muito
fortes. Mas estava apaixonada por aquilo e não queria voltar.
O retorno a Porto Alegre ocorreu
depois de 11 meses, em 2008, por insistência do hoje marido, mas durou poucos
dias. Ela voltou ao Oriente para ensinar ioga na Tailândia e percorrer a Índia.
O retorno definitivo foi em 2009 – se é que se pode falar em retorno:
– Acho que continuo lá. Sou outra
pessoa, muito distante do que eu era. Voltei sabendo com clareza o que quero.
Quando montou uma escola de ioga
na Capital, Laura sentia-se tão longe da advogada que não foi capaz de preparar
os contratos do empreendimento – pareciam escritos em um idioma estranho. Aos
33 anos, ela recomenda que outras pessoas façam como ela, mas com precauções:
– Se a pessoa está feliz com seu
mundo, eu digo: não vai. Conheço gente que largou tudo e não se encontrou. Mas
acho importante sair do seu ambiente para se reestruturar.
itamar.melo@zerohora.com.br
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