17 de maio de 2013 | N°
17435
DAVID COIMBRA
A gueparda
Por que tem tanto documentário
sobre os suricatos na TV? Não entendo a popularidade do suricato. Os felinos,
sim, esses merecem todos os filmes que estrelam. São os mais belos animais do
planeta. Os cavalos têm nobreza. Os pássaros, graça. Os peixes, todas as cores.
Os elefantes são imponentes. Mas nenhum deles tem a sensualidade elástica dos
felinos. Não é à toa que a mulher mais linda é chamada de gata.
Então, paraliso diante do
aparelho quando passa um filme sobre os grandes gatos. Foi assim que, dia desses,
afundei na poltrona quando vi que seria exibido um documentário sobre o reino
dos felinos ou o mundo deles, coisa que o valha.
A principal protagonista era uma
mãe gueparda. Os guepardos são os mais velozes animais sobre a Terra, alcançam
110 km/h. Essa gueparda do filme teve cinco filhotes. Andava com eles pela
savana em busca de sustento, como tantas mães solteiras andam pelo cimento da
cidade. Num desses momentos de caça à comida, os filhotes se desgarraram.
A noite caía sobre a África, e
ela se desesperou. Chamou os rebentos com miados parecidos com latidos,
conseguiu reunir três deles, mas, desgraça!, outros dois foram levados por um
bando de repugnantes hienas que por ali rondavam. As hienas assemelham-se aos
cães, mas na verdade também são felinos, sabia? São.
Ao alvorecer, a mãe gueparda
subiu num pequeno monte para tentar avistar os filhotes desaparecidos, enquanto
os outros três brincavam indiferentes sobre suas costas. Miava, a coitada,
miava, miava, e nada. Estavam perdidos para sempre.
Seguiu seu caminho até que, lá
adiante, em meio à vegetação amarelecida pelo sol, deparou com a visão
horrenda: a morte se aproximava sob a forma de três irmãos guepardos
desconhecidos. Não existe corporativismo entre os guepardos. Os machos adultos,
quando avistam filhotes de outros machos, costumam devorá-los. A mãe sabia
disso, sabia que não tinha chance contra os três, mas os esperou bravamente. E
os enfrentou com a coragem das mães.
Um a mordia numa pata, outro no
flanco, o terceiro tentava lhe dilacerar o pescoço, mas ela resistia. Com as
unhas afiadas cortando feito giletes, com os dentes pontiagudos à mostra, com
rosnados de ameaça, ela resistiu. Sobreviveu ao ataque dos três bandidos. Mas
acabou separada dos filhotes. Impotente e horrorizada, a mãe gueparda viu os
malfeitores se aproximando dos pequenos, que miavam sem esperança de salvação.
Não quero ver!, disse para mim
mesmo. Não quero ver! E desliguei a TV. O mundo animal é muito cruel, pensei.
Peguei o jornal para me distrair. E a primeira notícia que li foi sobre uma mãe
humana da zona norte da cidade que ensinava seu filho a espancar um cachorrinho
que mede palmo e meio do focinho ao rabo. Parei de ler no meio do texto. Fechei
o jornal com um suspiro. O mundo animal é mesmo muito cruel.
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