25
de maio de 2013 | N° 17443
VIDA
NOVA | DAVID COIMBRA
SOBRE RESIGNAÇÃO E
ALEGRIA
Hoje
eu não desmaiaria. Estou falando do que aconteceu quando descobri que estava
com câncer: baixou-me a pressão e, vergonhosamente, desfaleci na sala de
tomografia. Acordei na maca, cercado de enfermeiras. Elas riam, descontraídas;
eu, não.
Aquela
cena não se repetiria. Não porque esteja mais valente. Talvez esteja menos. Por
outros dois motivos:
1. O
óbvio: não seria pego de surpresa. Certas surpresas são horríveis. A tê-las,
melhor levar uma vida de monotonia.
2.
Hoje sei que minha capacidade de suportar sofrimento é maior do que pensava.
Preciso
discorrer mais sobre o item 2.
Porque
sou muito medroso para dor física. Sempre digo que o homem é um ser físico. Que
qualquer tormento do corpo, por menor que seja, torna-se o centro da sua
existência. E há milhares, talvez milhões de possibilidades de sermos
atormentados pelo corpo. Você já pensou em quantos órgãos, tecidos, sistemas,
membros e sei mais o que nós temos por dentro e por fora? Todo o conjunto de
músculos, a derme e a epiderme.
Os
olhos sofisticadíssimos. Os dentes duros, seus nervos e raízes nem tanto. A
gengiva que os sustenta. A vesícula e o pâncreas, para os quais nunca damos
bola. Os mais nobres, tais como rins, pulmões, fígado, intestinos e o rei de
todos, o coração. Além do cérebro e seus mistérios. E muito, muito mais. Pois
tudo isso tem que funcionar a contento, ou nós sofremos.
É
ilusão acreditar que podemos viver livres do sofrimento físico. De certa forma,
temos de estar preparados para isso, assim como temos de nos preparar para as
dores da alma, igualmente inevitáveis.
Mas
como nos preparar? Faz-se necessário munir-se de um pouco de resignação, é
verdade. Os chineses sempre dizem que não se deve lutar contra a correnteza –
melhor seguir descansadamente para onde vai o rio. É o princípio do sábio Zeca
Pagodinho: “Deixa a vida me levar”.
Mas
você pode fazer mais. Pode viver com alegria, a despeito dos perigos de cada
dia. Se você não souber como, vou lhe brindar com um exemplo ilustre. Beba do
gênio Sigmund Freud, que, numa entrevista concedida já na última curva da
existência, proferiu palavras que volta e meia relembro, para me fortalecer:
“Não
me revolto contra a ordem universal. Afinal, vivi mais de 70 anos. Tive o que
comer. Desfrutei de muitas coisas – do companheirismo da minha esposa, dos meus
filhos, do pôr do sol. Eu vi as plantas crescerem na primavera. Algumas vezes
recebi um aperto de mão amigo. Uma ou duas vezes encontrei um ser humano que
quase me entendeu. O que mais em posso querer?”
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