12
de maio de 2013 | N° 17430
A
MÃE DAS MÃES
Abraço maternal que se multiplica
por 11
Poucos
lares comemoram o dia de hoje como a família de Lourdes Constantin, que deu à
luz a outras 10 mães
Margarida
gerou Lourdes, que gerou Sônia, Lorena, Clélia, Malgarete, Carmen, Leda Mari,
Eliane, Adriane, Cátia Jaqueline e Ênia. Lourdes, a matriarca de proporções
bíblicas, deu à luz 10 filhas ao longo de duas décadas. Todas mulheres, todas
também mães.
Poucos
lares comemoram hoje o dia delas como a família gaúcha originária de Relvado e
atualmente espalhada pela Região Metropolitana e arredores. Não somente pelo
insólito número de 11 genitoras, mas também pela história de superação que
conseguiram escrever juntas graças às lições de Lourdes Constantin, 78 anos, a
mãe das mães.
Uma
vida de muito trabalho
Lourdes
poderia prever uma vida difícil quando perdeu os pais ainda durante a
adolescência. Mas não desanimou. Como mais velha da casa, assumiu a guarda dos
irmãos e ajudou a criá-los até se casar com Arduíno Constantin, em 1956. Na
erma localidade de São João, o casal de agricultores inicialmente não tinha nem
onde morar. Se ajeitou na casa dos pais de Arduíno, até se mudar pouco tempo
depois para uma casinha de madeira.
Em
uma área de difícil acesso, tendo apenas um rádio para manter o contato com o
mundo além de Relvado, deram início a uma vida dura mas feliz, trabalhando na
lavoura. Ela cuidava da casa e ajudava o marido, ele preparava o solo, plantava
milho, arroz, feijão. Durante dois anos de vida conjugal, Lourdes não conseguiu
engravidar. Já começava a questionar se teria filhos quando finalmente
engravidou. Sua primeira filha, Sônia, nasceu em 1959. A partir daí, a
matriarca não parou mais de gestar bebês. Em média, teve um parto a cada 21
meses ao longo das duas décadas seguintes. Sempre meninas. Dez.
O
problema é que, na lavoura, ainda mais naquela época de pouca mecanização,
braços masculinos eram fundamentais para arar, semear, cortar, serrar. E
Lourdes seguia dando à luz suas meninas. Arduíno, em vez de se revoltar contra
a providência, aceitava os desígnios da genética.
–
Tendo saúde, fico feliz – repetia o agricultor.
A
obsessão pela educação
Mesmo
sendo uma família de 11 mulheres – 10 filhas e a mãe – e apenas um homem (o
pai), as meninas ajudavam como podiam. Em casa e na lavoura. As mais velhas
chegavam a pegar na enxada para carpir, debulhavam milho, algumas chegavam a
manejar o serrote. Também ajudavam a cuidar das irmãs mais novas. Mas aí fez
diferença uma das obsessões de Lourdes: a educação.
Em
vez de criar uma família de trabalhadoras rurais analfabetas, a matriarca, que
teve a chance de estudar apenas até a 4ª série do Ensino Fundamental, fazia
questão de que suas meninas fossem instruídas. Vizinhos e familiares criticaram
a decisão, em uma época em que apenas a metade mais afortunada dos brasileiros
tinha acesso aos estudos.
Lourdes
mandava as filhas para o colégio todo o dia. Até a 4ª série, puderam estudar em
escola pública na própria comunidade. A partir daí, tiveram de se matricular no
colégio particular na sede da localidade – o pai teve de aumentar a produção
para dar conta das despesas. Entre a casa delas e o estabelecimento, havia
cinco longos quilômetros a serem percorridos a pé.
–
Quando estávamos muito atrasadas, o pai deixava ir a cavalo. Íamos duas
montadas – relembra Eliane Constantin, a sétima filha.
Todas
conseguiram completar, no mínimo, o Ensino Médio. Duas, Sônia e Eliane, viraram
professoras.
A
convivência em família
Quando
não estavam na escola, as 10 irmãs trabalhavam e brincavam em casa – sempre sob
a supervisão atenta da mãe. De ascendência italiana tão forte quanto o sotaque,
Lourdes sempre foi uma mãe presente e protetora. Na superpovoada casa dos
Constantin, acordava-se às 5h para ajeitar as vacas, trazer o leite e preparar
o café. Algumas meninas iam estudar, outras ajudavam em algumas lides, mas sempre
sobrava tempo para brincadeira.
Um
dos hábitos da mãe era levar as filhas – sempre alguma delas às costas – até o
riacho onde lavava roupa. Enquanto Lourdes enxaguava e ensaboava, as meninas
brincavam na água. Assim, aprenderam a nadar. Mas nem sempre as brincadeiras
acabavam bem. Uma das prediletas era atirar um toco de madeira na água para o
cachorrinho da família ir buscar. Mas eram tantas irmãs jogando o pedaço de pau
que o cusco acabou cansando. No último arremesso, faltou fôlego e a água levou.
Outro passatempo familiar eram as rodas de conversa. Terminadas as tarefas do
dia, se reuniam para papear, conta Lourdes:
–
Sempre gostei muito de conversar, e sempre fomos uma família muito unida.
Por
isso, todos sentiram a perda do pai, Arduíno, quando contraiu uma infecção
devido a uma cirurgia. Uma irmã conta que, antes de morrer, aos 75 anos, ele
declarou:
–
Sinto morrer por deixar as minhas 11 mulheres.
Reunião
em grandes festas
Quase
seis décadas depois do início da vida em comum, os Constantin se transformaram
em uma família de prósperas comerciantes. As irmãs, quase todas, tocam negócios
como restaurantes e lojas. Duas são professoras, e uma delas, Eliane, também
ajuda a cuidar de um negócio familiar. Graças ao empenho da mãe em dar-lhes educação,
mesmo com pouco dinheiro, longe da cidade e com o grande número de filhas, hoje
se reúnem em grandes festas familiares com churrasco e regadas a vinho e
cerveja.
Lourdes
faz questão de fazer a polenta como se fazia na colônia. As mães e as irmãs se abraçam,
riem, falam todas muito alto e com o indisfarçável sotaque italiano. No Dia das
Mães antecipado realizado no domingo passado, fizeram questão de colar na
parede fotos da primeira casa de madeira onde moraram.
–
Não temos vergonha de onde viemos, da dificuldade que passamos. Isso só mostra
a história de superação da nossa família – explica Leda Mari.
Na
festa da família Constantin, os genros entendem que elas são as estrelas. Mas
não se furtam de fazer gracinhas:
– A
senhora teve 10 filhas porque estava tentando ter um filho homem ou porque
gostava mesmo? – arrisca um gaiato.
–
Nossa, que mulheredo – espanta-se outro.
E
assim, dona Lourdes, suas 10 filhas, 17 netos e duas bisnetas lembram do
passado e demonstram confiança no futuro. Em meio ao alarido, a matriarca, a
mãe de 10 mães, dá seu conselho para as milhões de outras genitoras do Estado:
–
Não desanimem, que como a gente faz, a gente recebe. E lembrem sempre que
filhos são flores de Deus.
marcelo.gonzatto@zerohora.com.br
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