22
de maio de 2013 | N° 17440
MARTHA
MEDEIROS
Bom de briga
Quarta
passada escrevi sobre as vantagens de se ter o hábito da leitura e, para minha
surpresa, recebi um e-mail engraçado, ainda que a graça fosse involuntária: um
senhor de 60 anos defendeu furiosamente a ideia de que ler é uma perda de
tempo, válvula de escape de preguiçosos que preferem o ócio à realidade – muito
melhor seria viver, praticar esportes. Não explicou como uma coisa impede a
outra, mas seu ataque contra os livros foi tão veemente, que quase acreditei
que os verdadeiros alienados são os que se dedicam às “histórias dos outros”,
como ele disse.
Eu
estava a ponto de incinerar minha biblioteca e comprar uma passagem para a
Austrália quando um livro me caiu em mãos e resolvi lê-lo – uma despedida antes
de começar a viver de fato. Quem mandou? Decidi que continuarei criando mofo,
tudo por causa de Bom de Briga, do australiano Markus Zusak, livro que dá
prosseguimento a O Azarão, lançado meses atrás.
Se
no primeiro livro os personagens Cameron e Ruben, dois irmãos desajustados de
uma família modesta, gastam suas tardes planejando uns crimezinhos mequetrefes
pela vizinhança, agora, no segundo livro, eles cresceram um pouco, mas só em
tamanho: continuam sem saber o que fazer para se tornar alguém.
Até
que, por causa de uma briga de rua, os irmãos recebem um convite para lutar às
ganhas, valendo dinheiro. É o mais próximo de um emprego que eles já chegaram.
A família está na pindaíba, almoça e janta sopa de ervilhas. Os garotos topam.
Os
dois livros são excelentes. Uma prosa seca e poética ao mesmo tempo. Está ali,
sem pieguice, o processo de iniciação à vida (pois é, os personagens vivem, ao
contrário de nós, leitores barrigudos). Em poucas páginas, o significado de
vitória e derrota. Dois guris que batem, esmurram, até que o perdedor saia de dentro
deles. Que descobrem que a vida é um ringue onde, não importa quanto apanhemos,
o importante é levantar do chão.
Não
pretendo me inscrever no Ultimate Fighters para levar uns sopapos de verdade. A
literatura me aproxima dos efeitos. Emociona, estimula, dá a impressão de que
também vivo aquilo tudo, ainda que, segundo o senhor que se orgulha de nunca
ter lido um livro, leitura seja um subterfúgio para não frequentar nem ringues
nem parques, nem quadras de esporte, nem aeroportos, nem bares, enfim, aquilo
que os amantes dos livros ignoram que exista.
Markus
Zusak se tornou mais conhecido por A Menina que Roubava Livros, mas esses dois
romances que escreveu antes de seu best seller trazem um experimentalismo
salutar à criatividade. A crítica, positiva, rotula como “livros para jovens”.
Obrigada pela parte que me toca, mas discordo. São universais e uma aula para
quem deseja aprender a escrever, já que escrever, ao menos, está atrelado à
vida, a julgar pelo próprio autor, Markus Zusak, que a despeito de passar
algumas horas em frente ao computador fazendo seu ofício, não esconde de
ninguém que o que gosta mesmo é de surfar.
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