04
de maio de 2013 | N° 17422
ARTIGOS Demetrio Luis Guadagnin*
Praia, areia, peixinhos e Polícia
Federal
O
esquema de crimes ambientais investigado pela Polícia Federal expõe um ciclo
pernicioso da degradação ambiental e moral.
Os
últimos remanescentes das paisagens típicas do nosso litoral estão sob
permanente e intensa pressão dos novos balneários, condomínios, parques eólicos
e estradas duplicadas. Os espaços públicos necessários para a qualidade
ambiental não são criados na mesma medida. Faltam parques, áreas de preservação
permanente e áreas de lazer. Estreitam-se os acessos públicos às praias. A rica
biodiversidade regional é substituída por vegetação monótona. Nossos filhos já
nascidos vão crescer sem saber o que são dunas de areia, ou achando que a
paisagem do litoral se parece com as florestas do Canadá.
Temos
poucos peixes nos rios, em parte porque seus ambientes de reprodução estão
sendo contaminados e destruídos pela mineração. Por isso, peixes nossos, como o
dourado, praticamente desapareceram do mercado. A qualidade da água piora
porque os banhados desaparecem.
Praias
de rio que antes serviam de lazer local para a população desaparecem ou são contaminadas.
A população, então, precisa viajar até o litoral em busca de praias, águas mais
limpas e espaços de lazer. Então, precisamos de mais estradas, mais balneários
e o ciclo se realimenta.
Com
decepção, só ouvi até o momento palavras preocupadas com a agilidade com que as
licenças ambientais devem ser emitidas para que o meio ambiente não prejudique
o desenvolvimento. Afinal, é uma questão de sapinhos e peixinhos. Como se
existisse desenvolvimento sem proteção ambiental.
Só
ouvi como solução que o licenciamento ambiental seja como um cartório, onde
licenças são emitidas porque documentos são entregues. A realidade é que muitos
estudos ambientais não têm qualidade e são rejeitados pelo corpo técnico.
Alguns são depois avalizados pelo andar de cima, no canetaço. Faltam também
investimentos no quadro técnico, em número e capacitação. Disto decorrem
processos mal instruídos, licenças rejeitadas ou questionáveis, atrasos e
corrupção. A PF pegou alguns casos. Revendo licenças concedidas, encontraremos
outros.
A
conta dos problemas ambientais sempre é paga por alguém. Paga toda a sociedade,
indiretamente, pelos reflexos no sistema de saúde, no custo da água, na
qualidade dos alimentos, nas oportunidades perdidas junto com o patrimônio
genético da biodiversidade, na necessidade de turismo caro e distante e de mais
impostos para sustentar o sistema de proteção ambiental cada vez mais caro.
Pagam
mais caro os refugiados ambientais, forçados a viver em áreas de risco,
contaminadas e sem os recursos naturais dos quais dependem. Uma parte da conta
deixamos para os filhos pagarem mais tarde. Que paguem agora os culpados. As
praias de rio e mar, nossos filhos, os refugiados ambientais, os peixinhos e os
sapinhos agradecem.
*PROFESSOR
DO DEPARTAMENTO DE ECOLOGIA DA UFRGS
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