ANTONIO DELFIM NETTO
O Zé e o BIS
Meu
compadre Zé, sujeito arretado, trabalhador honesto e temente a Deus, ganha com
seu trabalho duro cerca de R$ 1.200 por mês. Pagava R$ 200 de aluguel. Cuidadoso,
não tinha qualquer dívida. Não constava nas estatísticas dos bancos e muito
menos na de devedores duvidosos.
Foi
tentado pelo Diabo. Comprou uma residência no programa Minha Casa, Minha Vida e
hoje paga R$ 200 de prestação. De acordo com a mistificação estatística a que
todos somos sujeitos, o Zé está agora altamente endividado! Num fechar de
olhos, passou de virtuoso não devedor a um suspeito inadimplente potencial que
deve 20% da sua renda! Pobre do Zé. Quem mandou ser ambicioso!
Isso
não é uma parábola. Há milhares de Zés "exagerando" no crédito porque
essa é a sua "riqueza"! Isso impressionou alguns economistas locais e
acabou sendo ouvido em Basileia. Foi expresso no relatório anual do Bank of
International Settlements, o famoso BIS.
O
assunto causou comoção. Os economistas do BIS contam-se entre os mais bem
apetrechados do mundo. E justamente. Sempre mantiveram distância da vertigem
cientificista. De fato, em 2005/2006, seus trabalhos deixavam claro que a
aparente calmaria que o Fed atribuía às virtudes da sua política monetária
escondia perigos insuspeitados.
Eles
e mais meia dúzia de bons profissionais alertaram para a crise que se construía
num sistema financeiro cuidadosamente desregulado em nome de uma suposta "ciência".
É preciso, portanto, ouvi-los quando falam.
O
aumento do endividamento das famílias no Brasil é mencionado ligeiramente nas págs.
26 a 30 do relatório, sempre com muito cuidado. Não há qualquer observação com
conotação negativa. Aliás, a comparação das taxas de crescimento da relação crédito/PIB
é tratada corretamente: "O rápido crescimento do crédito não é necessariamente
ruim.
Os
sistemas financeiros de alguns países emergentes ainda são relativamente
subdesenvolvidos e muitas famílias e empresas estão fora deles. Assim, o rápido
crescimento do crédito pode refletir tanto um desenvolvimento financeiro quanto
um excesso" (pág. 28).
Como
deveria ser óbvio, o aumento da relação crédito/PIB de 25% para 50% em poucos
anos no Brasil não pode e não deve ser considerado um "excesso",
porque ainda temos uma das menores bancarizações do mundo. E como aumentá-la
senão fazendo o crédito crescer mais do que o PIB?
Houve,
seguramente, algum excesso no setor de automóveis que foi agravado pela
imbecilidade que atingiu o sistema de leasing. O que ninguém falou é que na pág.
30 do relatório (gráfico III.7) o BIS mostra a higidez do sistema bancário
brasileiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário