quinta-feira, 2 de maio de 2013


PASQUALE CIPRO NETO

A ignorância dos 'espertinhos'

O cidadão que não sabe o que é comum no padrão formal não consegue fazer esse reconhecimento

Os e-mails da imensa massa de espertinhos que tentam (e conseguem) lesar internautas incautos continuam a todo o vapor. Como atestam as inúmeras matérias publicadas nos mais diversos meios de comunicação, muita gente cai feito pato nessas arapucas, que não raro são pessimamente redigidas e/ou contêm erros primários no que diz respeito a certos conceitos políticos, político-administrativos, institucionais etc.

Um ótimo exemplo desses erros primários se vê num e-mail que recebi em 19 de abril. Sabe quem o enviou? A "Prefeitura do Estado de São Paulo". Sim, a "Prefeitura do Estado". Está certo que no Brasil muitíssima gente (da bandidagem ou não) desconhece categoricamente a divisão de poderes e o que compete a cada um, assim como desconhece o papel de um vereador, de um deputado (estadual ou federal) ou o que é uma cidade, um Estado, um país. Não são poucas as pessoas que acham, por exemplo, que a África é um país.

Se até jornalistas ignoram sumariamente que Guarulhos ou Osasco não são bairros da cidade de São Paulo, mas municípios, que têm prefeito e câmara próprios, não surpreende que leigos não saibam isso.

Conhecer algumas nomenclaturas, caro leitor, é fundamental não só para entender certos textos e/ou contextos, mas também (nestes tempos de superinvasão virtual e real) para não ceder à tentação de acreditar em verdadeiros contos de fadas.

Relatei aqui há algum tempo a fracassada tentativa de bandidos que puseram em um automóvel uma placa fria, da cidade de "Frorianópolis". Sim, "Frorianópolis". Um policial rodoviário minimamente letrado acabou com a aventura dos gatunos.

As campeãs nesse tipo de tentativa de golpe são as falsas mensagens de instituições financeiras. Como se sabe, a publicidade escrita (legítima) dessas empresas normalmente é pautada por linguagem formal ou semiformal. As agências de publicidade que detêm as contas de bancos costumam ter bons redatores, que conhecem as variações linguísticas e não tropeçam em concordâncias básicas, como a que se faz, por exemplo, entre sujeito e verbo, qualquer que seja a ordem dos termos.

Nas mensagens falsas, uma das primeiras coisas que se notam é justamente o descompasso entre verbo e sujeito (algo como "Foi enviado para o seu e-mail as cópias do contrato..." ou "Segue anexo as cópias do contrato..."). Num texto publicitário verdadeiro, é pouco provável a ocorrência desse tipo de procedimento, muito comum na oralidade.

Quem conhece as provas dos vestibulares de certas instituições de ensino superior sabe que são muito comuns as questões em que se pede a identificação das marcas típicas da linguagem oral presentes em determinados textos. Ora, o cidadão que não conhece o que é comum na linguagem escrita tem sérias dificuldades para fazer esse reconhecimento.

É por essas e outras que é mais do que fundamental ter em mente que a educação linguística plena consiste em prover os estudantes do mais amplo leque linguístico, sem preconceito contra nenhuma das variedades, a começar pela culta, que, como sabem os educadores equilibrados, é a que deve predominar nas aulas de língua.

Lamentavelmente, o que ocorre hoje em dia Brasil afora (com exceções, é óbvio) é uma coisa um tanto diferente, torta, muito torta, enviesada, que faz o pobre do aluno acreditar que basta o domínio da linguagem oral ou da que lhe é comum no meio em que vive para ter acesso a tudo o que se produz no mundo da cultura. Se até para ser bandido às vezes é preciso ter noções do que é padrão na linguagem formal... Bem, não preciso concluir, preciso? É isso.

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