quinta-feira, 9 de maio de 2013


Arnaldo Jabor
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O feio e o belo na arte tecnológica

07 de maio de 2013 | 7h 15
Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
Tenho visto muitos filmes de ação. Vou ao cinema com meu filho de 13 anos e já sou um entendido nas missões impossíveis, nas porradas, nas cidades destruídas, nas armas assassinas. Quando estou dentro do cinema, me sinto dentro de uma máquina de sensações programadas. Sou levado por inúmeras direções: mergulho em suspense, em prazeres sádicos de assassinatos explosivos, em vinganças sem-fim, tudo narrado como uma ventania, como uma tempestade de 'planos' (cenas) curtos, nunca mais longos do que 4 segundos, tudo tocado por orquestras sinfônicas plagiando Ravel para cenas românticas, Stravinski para violências e guerras, tudo para não desgrudarmos os olhos da tela. Os filmes comerciais antigos apelavam para a comoção das plateias, estórias onde o 'bem' era recompensado, onde o amor movia personagens, onde chorávamos ou riamos desde o Gordo e o Magro até Hitchcock.
Hoje, passamos por emoções que nos exaurem como personagens dentro daqueles mundos em 3D, de pedras e balas que voam em nossa direção, que nos fazem em pedaços espalhados pela sala, junto com os copos de Coca-Cola e sacos de pipocas. Somos pipocas nesses filmes. É uma nova dramaturgia de Hollywood: a estética do 'videogame', em que a personagem principal não é mais o 'outro', mas nós mesmos, com o 'joystick' na mão e nenhuma ideia na cabeça. Mas, pensando assim, fui ver Iron Man 3 e viajei para um outro mundo reconstruído por efeitos especiais e tive o consolo do esquecimento de minha vida realista e mixuruca.
Quando saio do cinema depois desses filmes, caio num grande vazio; as ruas barulhentas e feias é que parecem irreais.
E os novos heróis não são políticos nem cowboys. Os novos heróis são semideuses com absoluta competência mecânica, percorrendo 'odisseias' tecnológicas
Os roteiros são feitos em computador, de modo a não deixar respiros para o espectador. É preciso encher cada buraco, para que nada se infiltre na atenção absoluta. Mais importantes que as personagens, são as 'coisas' em volta. Sim, as coisas. Personagem é só um pretexto para mostrar o décor. E o décor é um grande showroom dos produtos americanos, que são as personagens: maravilhosos aviões, os supercomputadores, a genialidade técnica lutando por algum 'bem' ininteligível. Neste neocinema século 21, as personagens não fogem de um conflito - fogem dos produtos. Não importa nem o enredo, nem o roteiro; só o gozo da cena. Esses filmes buscam na violência e nos desastres a mesma visibilidade total do filme pornô.
Não há mais tempo para um filme ser visto, refletido, com choro, risos, vida. O desejo dos produtores é justamente apagar o drama humano dentro de nossas cabeças. O conflito é permanente, de modo a impedir o espectador de ver seus conflitos internos. O verdadeiro cinema político é o filme americano.
Por outro lado, nada é parte de um 'complô' para nos 'lavar o cérebro', nada disso. Não é uma propaganda consciente. Não há Comitê Central nem CIA, por trás. Os americanos são um produto deles mesmos, acreditam no que dizem. A sinceridade é sua arma total.
Logo depois da Guerra Fria, os filmes mostravam uma América em "frenética lua de mel" consigo mesma. Os Estados Unidos eram a "cultura da certeza". O paraíso americano era a perfeição do funcionamento. Com o 11 de setembro, junto com as torres, caíram também a arrogância, o orgulho da eficiência. Deprimiram por uns anos, mas retomaram a trajetória do mito americano e, assim como reconstroem as torres gêmeas, voltaram a fazer filmes para reconstruir o herói americano, tão humilhado na horrenda era Bush.
A destruição que vemos na vida, a sordidez mercantil, a estupidez no poder, o fanatismo do terror, o beco sem saída do fundamentalismo, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda está muito além de qualquer crítica. O mal é tão profundo que denunciá-lo ficou inútil. E pior: não adianta se refugiar na arte. O cinema de autor ficou mirrado diante de tanta homérica velocidade. A arte como a conhecemos há séculos pressupõe uma imperfeição qualquer, uma fragilidade que evoca a natureza perdida; a arte inclui a morte ou o medo, mesmo no triunfo das estátuas perfeitas.
Pela influência do avanço da informação digital, turbinado pelo mercado global, foram se afastando do grande público as criações artísticas e literárias, as ideias filosóficas, os valores. Em suma, acabou toda aquela dimensão espiritual chamada antigamente de cultura que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, dando um sentido à vida e uma razão de ser para a existência.
A verdade - pensei - é que passamos da ilusão para o desencanto. Assim lamentam os intelectuais deprimidos. Inclusive eu - com uma contradição: sou fascinado pela Marvel e cia.
Por isso, depois, na rua, longe da tela, me bateu uma luz: afinal, o mundo não acabou; ao contrário, nunca mudamos tanto e tão depressa. Por que reclamar? Que saudade é essa que sentimos do presente como se fosse um passado?
No meio da avalanche brutal de informações, na enxurrada de 'autores' na internet, em meio ao universo de excessivas epopeias está surgindo uma nova forma de profundidade 'superficial', novas formas criativas em fluxo coletivo. E essas produções gigantescas ou mínimas, na web ou na tela de milhões de dólares, estão criando um barroco digital 'nas nuvens', uma arte-vida sem autor, como sonhou Nietzsche, única forma de dar algum sentido à existência. Já vi alguns 'blockbusters' de extraordinária imaginação 'wagneriana'. A tecnologia está criando uma nova estética. Avatar, por exemplo, Batman, ou a obra-prima da Marvel Thor e tantos outros já criam um novo universo, digamos, 'pós-reflexivo', lúdico, envolvente. Não falo de 'nova arte' ou uma nova cultura, pois isso já encerraria a ideia de 'finalidade', de meta a ser atingida. Falo de um caos maravilhoso que nos submerja para sempre num 'presente' inexplicável.

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