FERREIRA
GULLAR
Sem pecado
A
igreja, fiel a sua concepção teológica, não pode aceitar o sexo --que é
pecado-- como mero prazer
A
morte de Robert Geoffrey Edwards, pai da fertilização in vitro, trouxe de volta
a discussão entre os que apoiam e os que se opõem a esse procedimento
científico que possibilita o nascimento de seres humanos sem a necessidade, até
bem pouco tempo indispensável, da relação sexual entre homem e mulher.
A
verdade é que, quando em 25 de julho de 1978, Louise Joy Brown tornou-se, ao
nascer, o primeiro bebê de proveta, foi como se alguma coisa sagrada ruísse,
provocando a indignação de quem acredita na origem transcendental do homem.
De
fato, a manipulação do óvulo feminino e do espermatozoide masculino para fazer
nascer uma pessoa punha em questão o mistério sagrado que envolvia nossa
origem. Não por acaso, a indignação maior, em face disso, foi da Igreja
Católica.
Trata-se
de assunto delicado porque envolve aquilo que é, no meu entender, o princípio
básico da teologia cristã: o pecado original.
Ele
é o fator determinante da posição da igreja com respeito a uma série de
questões fundamentais. Tão importante é o conceito de pecado original que,
conforme a versão cristã, o Cristo foi concebido sem pecado, ou seja, Maria não
foi fecundada sexualmente por José, seu marido, mas pelo divino Espírito Santo.
Por
isso mesmo, ostenta a denominação de Virgem Maria. Todos os demais seres
humanos, concebidos na relação sexual, nascem pecadores, segundo essa doutrina,
e, para os livrarem disso, a igreja criou o rito purificador do batismo.
Por
que a igreja encara o ato sexual como pecado é difícil de explicar, uma vez que
se trata de uma necessidade natural e vital, pois dele depende a sobrevivência
da espécie.
Por
isso mesmo, a igreja teve que, sem negar-lhe o caráter pecaminoso, encontrar
meios de admiti-lo. Esses meios são o casamento religioso e o batismo. Este é
tão fundamental que, se o bebê morre antes de ser batizado, vai para o inferno.
Se
essa é a visão da igreja, deveria então aprovar a fecundação in vitro, já que,
neste caso, o ato sexual é dispensado e, consequentemente, o bebê que dali
nasce não traz consigo o pecado original.
Espero
que não se veja, nesta minha observação, qualquer propósito sacrílego, mas
apenas uma dedução lógica: o bebê de proveta foi concebido sem pecado. Como
Cristo? Não, como o Cristo não, já que este nasceu por intervenção do Espírito
Santo, enquanto o bebê de proveta deve sua existência à intervenção de um mero
biólogo.
Sem
pretender dar uma de teólogo, arrisco afirmar que o conceito de pecado original
é a base mesma da doutrina cristã, de modo que a ele se deve o entendimento da
relação sexual como um ato só admissível quando praticado visando a procriação.
Como puro e simples prazer é inaceitável. A partir desse entendimento, torna-se
lógico que a igreja se oponha à relação entre indivíduos do mesmo sexo, que não
vise a procriação e, sim, unicamente o prazer sexual.
Pela
mesma razão, a igreja também condena o uso da camisinha, cuja função é evitar a
fecundação e, por conseguinte, a procriação. Não se trata, portanto, de mero
preconceito ou conservadorismo de fundo moral. Pelo contrário, a igreja, fiel a
sua concepção teológica, não pode aceitar o sexo --que é pecado-- como mero
prazer.
No
passado, quando a fé católica dominava de modo incontestável a sociedade, houve
casos de mulheres casadas que, mesmo transando com o propósito de procriar,
achavam-se tão culpadas que, para não sentir prazer algum, martirizavam-se
durante o coito, certas de que, desse modo, livrar-se-iam de ir para no
inferno, após a morte.
Eu
que sou a favor do casamento de pessoas do mesmo sexo e considero o prazer
sexual uma das boas coisas da vida, entendo que os católicos --e
particularmente as autoridades eclesiásticas-- se oponham ao sexo como mero
prazer. É uma questão doutrinária.
Observo,
porém, que essa atitude é mais fácil de defender em teoria do que na prática,
como o demonstram os numerosos casos de padres pedófilos denunciados
recentemente.
Mas
esse é um problema que cabe ao papa Francisco resolver. De minha parte, louvo a
conquista científica que fez nascer 4 milhões de pessoas e levou alegria a
milhões de casais sem filhos.
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