11
de maio de 2013 | N° 17429
NILSON SOUZA
Guachaiada
Até
com o que é ruim a gente pode aprender algo de bom.
Lendo
sobre a recente fraude do leite no Estado, fiquei intrigado com a revelação de
uma interceptação telefônica feita pelas autoridades, na qual um dos suspeitos
pede ao empregado para separar parte do produto, antes da mistura criminosa,
para o consumo de sua família. Algo assim como “não esquece do leite da
guachaiada”, advertência feita no linguajar característico do nosso homem do
campo. Fui correndo para o meu dicionário de termos rio-grandenses para
entender por que o fraudador se referia daquela forma aos filhos. Aos
gaudérios, peço perdão pela ignorância: sou um gaúcho urbano, é bom esclarecer.
Guacho,
ensina o livro, é o animal criado em casa, sem ser amamentado pela própria mãe.
Pode ser um cordeiro, um potro ou mesmo uma avestruz. O termo também é usado
para designar crianças não amamentadas no seio ou mesmo aquelas que, já
grandinhas, bebem leite em excesso. Como se vê, se o vigarista for condenado,
certamente não será por impropriedade vocabular.
O
mais curioso da minha pesquisa, porém, foi descobrir que a avestruz põe um ovo
“guacho”, fora do ninho. Quando os filhotes estão próximos de botar o bico para
fora, o bicho quebra o ovo abandonado para que atraia moscas e a ninhada
faminta encontre farta alimentação. Azar das moscas, também deve ter pensado o
delinquente que mandava botar porcarias no leite alheio, preservando um lote
limpo para as suas crias.
Somos
mesmo ingênuos em relação à origem e à industrialização dos produtos que
consumimos. Essa ingenuidade está bem retratada numa historinha anedótica, que
até virou comercial de TV, na qual uma criança é provocada pela professora a
explicar a origem do leite. Diante da proposição “o leite vem da...”, o
garotinho da cidade responde prontamente: “Caixinha”. Quem vai desconfiar que
um produto embalado, pasteurizado ou submetido a outros processos industriais
de descontaminação pode conter uma substância cancerígena maldosamente
misturada por intermediários gananciosos?
É um
episódio tão constrangedor para o nosso Estado, que dá vontade de bancar a
avestruz e esconder a cabeça. De vergonha.
Mas,
como todos sabemos e com o perdão do trocadilho, agora não adianta chorar o
leite derramado. O que temos que fazer é cobrar punição exemplar para os
criminosos e exigir de nossas autoridades uma fiscalização mais competente e
responsável sobre o que a indústria da alimentação nos vende.
O
exercício da cidadania ainda é a melhor forma de cuidar da guachaiada.
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