11
de maio de 2013 | N° 17429
ARTIGOS
- Dercy Furtado*
Mamãe, hoje eu consigo te amar
Quando
eu e meus cinco irmãos éramos pequenos, lá em Morungava, nossa mãe, Etelvina,
era muito rígida. Várias vezes me bateu. Nos obrigava a rezar o terço todas as
noites, o que, para mim, ainda uma criança, era uma tortura. A mim,
particularmente, obrigava a dar discursos nos casamentos, aniversários e
primeiras comunhões.
É
claro que a agressão não faz bem a ninguém, mas acho que eu soube tirar
daqueles momentos algum proveito. Se eu não tivesse passado por tudo que
passei, talvez não tivesse tido coragem de ser uma das primeiras mulheres a
subir numa tribuna no Brasil. Talvez justamente o sofrimento me tenha feito
lutar pelos mais humildes.
Em
1972, apresentei um projeto em Brasília, com apoio do deputado federal Nelson
Marchezan, referente aos direitos trabalhistas das empregadas domésticas:
salário mínimo, férias e 13º. Era um projeto viável, que foi aprovado. Lógico
que, na época, as patroas não gostaram. Tive que tirar o número do meu telefone
do guia de tantos xingamentos que ouvia.
O
planejamento familiar também foi outro projeto de minha autoria, na década de
1970, apresentado ao prefeito de Porto Alegre Telmo Thompson Flores. A proposta
era de ter em todos os postos de saúde da cidade orientação às mulheres sobre
métodos anticonceptivos. Sempre acreditei que devemos ter filhos por amor e
deixar de tê-los por amor. O prefeito aprovou, mas na Câmara de Vereadores fui
vencida pela oposição, que era maioria.
Minha
mãe já morreu, mas talvez hoje ficasse orgulhosa por eu ter pensado nos direitos
dos mais carentes. Os temas que eu tratava anos atrás, atualmente são
defendidos por muitos, mas, mesmo que os mais jovens não saibam, eu sei que
contribuí tendo coragem de plantar algumas sementes.
Na
véspera do dia das mães, eu penso: se não fossem os limites que minha mãe me
deu e os “chatos” terços noturnos, talvez eu não tivesse ajudado tanta gente.
Como fiquei feliz, por exemplo, quando nossa empregada, dona Eva, já idosa, se
aposentou!
Por
isso, refletindo, agora eu consigo dizer: obrigada, mamãe, pelas tuas orações,
pela disciplina que me deste. Sei que foste muito rígida e que não sabias amar
de outra forma. Entendo que foi esse o caminho que encontraste para fazer de
mim uma pessoa que pensa nos outros. Obrigada, principalmente, por teres me
apresentado a Jesus, o homem que disse: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos
amei”. É esse o principal ensinamento que carrego comigo e é por isso que hoje
eu consigo dizer: mamãe eu te amo.
*EX-DEPUTADA
ESTADUAL
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