04
de maio de 2013 | N° 17422
CLÁUDIA
LAITANO
O que não tem vergonha nem nunca
terá
A
poção do amor é um dos mitos mais antigos e revisitados da ficção. Se a
fantasia de um poder externo capaz de sobrepor-se às insondáveis – e indomáveis
– razões do coração é tão fascinante, talvez seja porque todo mundo, um dia, já
sonhou em ter à mão algumas gotinhas desse líquido fantástico.
Uma
gota e a pessoa amada começaria a ver em você todas as qualidades que você vê
nela. Uma gota e aquele casamento morno de 20 ou 30 anos voltaria a ficar
novinho em folha, como nos tempos do namoro. Apenas uma gota e um amor que já
tinha feito as malas e alugado um novo apartamento voltaria atrás e daria uma
nova chance à paixão que parecia extinta. Uma gota e você se apaixonaria pela
pessoa “certa” – e não por aquela que seus pais e seus amigos acham que não
combina com você.
Poucas
coisas se prestam tanto ao pensamento mágico quanto o amor e o desejo. Na
cabeça e no coração de quem ama, a força do sentimento é tão palpável que
parece quase natural que adquira a capacidade mágica de mudar o que está em
volta a seu favor. Na realidade, não controlamos nem mesmo aquilo que sentimos,
que dirá o que os outros sentem.
A
indústria farmacêutica já promete concentração, felicidade e até mesmo paz de
espírito, mas ainda não se arriscou a inventar uma poção como a que fez Tristão
e Isolda se apaixonarem contra a vontade e a razão. Isso porque na própria
origem do desejo está o que não faz sentido, o que não se controla – ou cura.
Desejo é aquilo que Chico Buarque conseguiu descrever sem precisar dar-lhe um
nome: “O que não tem governo nem nunca terá/ o que não tem vergonha nem nunca
terá/ o que não tem juízo”.
Neste
absurdo debate sobre autorizar ou não profissionais a prometerem uma “cura
gay”, o que mais assusta não é a homofobia intrínseca, a tentativa de
patologizar a condição humana ou o fato de a lei contrariar o bom senso e a
opinião de todos os especialistas sérios do mundo, mas a possibilidade de
oficializar uma prática que é tão séria e honesta quanto as poções do amor da
Idade Média ou aqueles anúncios que prometem trazer de volta a pessoa amada em
três dias. Um mico legislativo de proporções king-kônicas.
Alguns
deputados não têm qualquer vergonha ou juízo – nem nunca terão.
Poucas
coisas se prestam tanto ao pensamento mágico quanto o desejo
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