07
de outubro de 2012 | N° 17215
PAULO
SANT’ANA
Gabinete de
transição
Se
eu fosse lésbica, ia gostar de mulher.
Como
sou hétero, não gosto de homem.
Mudei-me
há um ano para um apartamento novo. Tive o cuidado de instalar meu quarto 25
metros distante do quarto de minha mulher.
Apelidei
meu quarto de Gabinete de Transição.
Eu
bebo rigorosamente uma cervejinha por semana, tracei-me essa dose para poder
melhor saborear essa augusta bebida.
Se
bebesse todos os dias, eu banalizaria o sabor, que não teria a mesma delícia.
Da
mesma forma, embora muitas vezes não consiga, esforço-me por falar pouco, assim
tenho mais tempo para pensar.
Tanto
para beber quanto para falar, há que se ter morigeração.
E
cautela. Se a gente for romper com todos os amigos que nos ferem de vez em
quando, estaremos condenados à solidão.
Uma
forma de cultivar amigos é acostumar-se a perdoá-los.
Tenho
saudade do tempo em que era lascivo, ficava incendiado ao avistar somente os
pés ou as mãos de uma mulher. Hoje, se por acaso avistar seios femininos nus,
encaro-os como se fossem objetos quaisquer desinteressantes.
Eu
só peço perdão depois de executar minha vingança.
Uma
das cafajestices mais canalhas que conheço é, numa roda ou em qualquer
ambiente, uma determinada pessoa citar frases latinas que tanto os ouvintes
quanto ele próprio não sabem o que querem dizer.
Há
pessoas que conservam dentro de si um estoque de lágrimas para vertê-las
somente em ocasiões muito especiais. Eu tenho um amigo que, quando comparece a
enterros, dispara somente uma lágrima em honra do falecido.
Muitas
vezes uma lágrima solitária contém mais sinceridade do que um pranto convulso.
Há
pessoas que só choram quando se sentem tristes. Por outra parte, há pessoas que
só choram na alegria, na euforia, quando conquistam algo que era muito
desejado.
Um
tipo de lágrima única que mais valorizo é a derramada por saudade.
Quando
se perde alguém e nunca mais se o recuperará – não falo em morte, mas perda de
um amor ou de um amigo – a saudade se cristaliza no coração e dali nunca mais
sairá. Vai permanecer latejando no coração, inseparável de todos os movimentos
na vida.
A
saudade é o mais terno sentimento humano. E sempre quer dizer que a gente se
afastou de algo ou de alguém que nos fazia imensamente feliz.
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