sábado, 6 de outubro de 2012



07 de outubro de 2012 | N° 17215
PAULO SANT’ANA

Gabinete de transição

Se eu fosse lésbica, ia gostar de mulher.

Como sou hétero, não gosto de homem.

Mudei-me há um ano para um apartamento novo. Tive o cuidado de instalar meu quarto 25 metros distante do quarto de minha mulher.

Apelidei meu quarto de Gabinete de Transição.

Eu bebo rigorosamente uma cervejinha por semana, tracei-me essa dose para poder melhor saborear essa augusta bebida.

Se bebesse todos os dias, eu banalizaria o sabor, que não teria a mesma delícia.

Da mesma forma, embora muitas vezes não consiga, esforço-me por falar pouco, assim tenho mais tempo para pensar.

Tanto para beber quanto para falar, há que se ter morigeração.

E cautela. Se a gente for romper com todos os amigos que nos ferem de vez em quando, estaremos condenados à solidão.

Uma forma de cultivar amigos é acostumar-se a perdoá-los.

Tenho saudade do tempo em que era lascivo, ficava incendiado ao avistar somente os pés ou as mãos de uma mulher. Hoje, se por acaso avistar seios femininos nus, encaro-os como se fossem objetos quaisquer desinteressantes.

Eu só peço perdão depois de executar minha vingança.

Uma das cafajestices mais canalhas que conheço é, numa roda ou em qualquer ambiente, uma determinada pessoa citar frases latinas que tanto os ouvintes quanto ele próprio não sabem o que querem dizer.

Há pessoas que conservam dentro de si um estoque de lágrimas para vertê-las somente em ocasiões muito especiais. Eu tenho um amigo que, quando comparece a enterros, dispara somente uma lágrima em honra do falecido.

Muitas vezes uma lágrima solitária contém mais sinceridade do que um pranto convulso.

Há pessoas que só choram quando se sentem tristes. Por outra parte, há pessoas que só choram na alegria, na euforia, quando conquistam algo que era muito desejado.

Um tipo de lágrima única que mais valorizo é a derramada por saudade.

Quando se perde alguém e nunca mais se o recuperará – não falo em morte, mas perda de um amor ou de um amigo – a saudade se cristaliza no coração e dali nunca mais sairá. Vai permanecer latejando no coração, inseparável de todos os movimentos na vida.

A saudade é o mais terno sentimento humano. E sempre quer dizer que a gente se afastou de algo ou de alguém que nos fazia imensamente feliz.

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