sábado, 6 de outubro de 2012



06 de outubro de 2012 | N° 17214
CLÁUDIA LAITANO

Ilha da Fantasia

Os porto-alegrenses têm todo o direito de discutir se um espaço público deve ou não ser cercado – quem gosta de grade é funileiro, embora boa parte da cidade tenha sido obrigada a capitular ao visual Carandiru Style nos últimos anos.

Por trás da discussão das grades em torno do Araújo Vianna, porém, insinua-se a desconfiança com relação à parceria público-privada que permitiu a reforma do auditório. Sobre isso vale a pena pensar com um pouco mais de serenidade, já que o assunto se presta a leituras que, em geral, não parecem muito conectadas com a realidade cultural do país – ou do planeta.

Economia, dizem os manuais, é a ciência que estuda a melhor alocação de recursos escassos em um ambiente de necessidades ilimitadas. Não existe um ambiente com recursos mais escassos e necessidades mais ilimitadas (e diversas) do que a gestão pública da cultura.

No Brasil, administradores culturais operam de forma precária em quase todas as instâncias – falta grana, falta projeto, falta continuidade. A chamada “economia da cultura” ainda está engatinhando no país, e as poucas iniciativas que funcionam (um Em Cena, um Theatro São Pedro...) ainda dependem mais do empenho pessoal de um Luciano Alabarse ou de uma Eva Sopher do que de uma administração planejada para sobreviver aos bons gestores ocasionais.

Para os habitantes da Ilha da Fantasia Subsidiada, porém, o Estado deveria cuidar de tudo: construir teatros, produzir filmes, promover festivais, financiar shows, dar mesada a escritores...

Quando isso, na prática, se mostra inviável, preferem ver os festivais acabarem, os centros culturais fecharem e os prédios ruírem a admitir que qualquer modelo de financiamento cultural no Brasil que dependa exclusivamente do Estado está condenado à falência. No outro extremo da cegueira ideológica, a Ilha do Deus Mercado, é cada um por si e que todo mundo ouça o Michel Teló até morrer.

A sabedoria, como sempre, foge dos extremos. Cada país deve desenvolver o modelo de financiamento cultural que mais se aproxima do que a sociedade pode e quer – com os Estados Unidos em um polo (cidadãos e empresas como os grandes financiadores) e a França do outro (o Estado bancando quase tudo).

Enquanto o Brasil vai consagrando um modelo que se baseia principalmente em leis de incentivo, outros formatos vão sendo testados, como as Oscips e as parcerias público-privadas. Uma coisa é certa: nossa maior preocupação, hoje, deveria ser a falta de empresas querendo investir em Cultura, e não a nostalgia de um Estado que atira para todos os lados (figurativamente, bem entendido).

No caso do Araújo Vianna, temos um bom exemplo de modelo alternativo que funcionou: o espaço foi recuperado do abandono pela iniciativa privada e durante o tempo em que vigorar o contrato a prefeitura vai poder ocupar o auditório em 91 dias por ano (o que dá e sobra para fazer muita coisa). O Araújo está mais bonito e melhor equipado do que antes e promete ser mais ativo do que nos últimos 20 anos. Reclamar do que, cara-pálida?

Se estão faltando causas culturais de grande porte para defender, tenho duas boas sugestões: exigir que a construção da Sala Sinfônica da Ospa engrene e que o Multipalco fique pronto. Ambos, aliás, projetos que só se tornarão possíveis graças ao investimento da iniciativa privada.

O resto é mimimi.

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