quarta-feira, 3 de outubro de 2012



03 de outubro de 2012 | N° 17211
JOSÉ PEDRO GOULART

Notas de viagem

1 - Poucas coisas me causam mais desconforto do que lugares fechados. Se este lugar for um elevador (parado) e eu estiver com uma máscara apertando meu nariz, e ainda com mais umas 15 pessoas – todas mascaradas –, bem, preciso sair. E logo. Tire-me antes que eu pire-me.

O claustro era o tal ascensor de um hotel abandonado, mas agora inteiramente reformado para a peça Sleep no More, em Nova York, cidade onde produzo estas notas. O pessoal levou a sério esse negócio de interatividade; uma vez que você sobreviva ao elevador escuro, é destinado a um dos quatro imensos andares do hotel.

Os únicos não mascarados são os atores que atuam por cenários incríveis (uma velha palavra, quase em desuso, mas aqui colocada de maneira justa). É uma mistura de climas, que vão de Hitchcock a Kubrick, com uma história baseada livremente em Mac­beth. Você fica a dois palmos do elenco. Só não pode falar ou tocar neles. Ainda. Aguardemos a parte 2.

2 - Talvez um plano bom em NY seja assistir no Carlyle Hotel o Woody Allen tocar clarinete. Sempre às segundas, quando ele não estiver filmando ou tendo que lidar com elevadores (temos algo em comum). O caso aqui são ingressos; impossíveis de obter, exceto com larga antecedência, ou no paralelo, por uns US$ 400.

Uma pequena metáfora dos tempos atuais e seus paradoxos. Você entra numa fila e paga muito para ver Woody Allen tocando, em carne e óculos, sendo que como músico ele nem é um Woody Allen; ou vai até a esquina, num cineclube, e tira US$ 10 da carteira para ver um filme, agora sim, Dele. Não tem fila e aliás anda até meio vazio.

3 - Sem ingressos para o Carlyle, uma opção é a Mingus Big Band, também às segundas no Jazz Standard. Os caras são bons, mas isso não é ponto aqui. O que faz a noite é a presença na plateia do presidente da República Checa, Václav Klaus – no dia seguinte, seria a abertura da Assembleia da ONU. Cada presidente no seu galho. Onde estaria a Dilma?

4 - Difícil conter impressão de déjà vu diante da mostra do Andy Warhol no Met. Warhol enquadrou o descartável, percebeu a exposição excessiva da publicidade e se utilizou disso; mas aquelas sobreposições e interferências em retratos de personalidades ou embalagens de produtos já tiveram seus 15 minutos de fama. Depois disso, as cópias; no caso, cópias da cópia.

5 - Do pop ao clássico. Uma experiência rara no Lincoln Center. A Filarmônica de Nova York toca Beethoven e Stravinsky. Mas, antes, um epílogo que motivou essa narração. Com parte da orquestra posicionada fora do palco, nas galerias, eles fazem uma breve mas fantástica experiência.

O negócio dá uma sensação de dolby estéreo, eles chamam de “filarmônica em 360”. O maestro rege de frente, e a gente ali, extasiado. Como disse aquele bigodudo alemão, a vida sem a música não teria sentido. Parece simples, mas pensemos, talvez não seja.

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