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segunda-feira, 7 de abril de 2008
André Petry
Veja num. 2055 - 7/4/2008
"Os brasileiros conhecem o gasto da rainha da Inglaterra com vinho, mas o governo nos diz que não podemos conhecer o gasto de
Lula com champanhe (só o de FHC, claro)"
O gangsterismo político de montar um dossiê com os gastos do ex-presidente Fernando Henrique e sua mulher só foi possível porque existe a lei do sigilo das despesas presidenciais. E por que os gastos da família presidencial precisam ser secretos? Por razões de segurança, diz o governo.
Além do decreto do sigilo, de 1967, o atual governo, em 2003, editou uma norma reforçando que tais gastos são sigilosos – por razões de segurança. De 2003 para cá, Lula e família gastaram 11,6 milhões de reais e, por razões de segurança, o país não sabe com quê.
Se divulgar tais despesas comprometesse a segurança, a rainha da Inglaterra já teria ido pelos ares numa carruagem-bomba. Em 2002, ano em que Lula venceu a primeira eleição presidencial, a rainha da Inglaterra divulgou seus gastos pela primeira vez.
Disse que passaria a fazê-lo todos os anos como prova de seu comprometimento com a transparência no trato do dinheiro público. Como se sabe, a rainha da Inglaterra não é eleita, nem precisa de votos. Mas precisa de respeito.
Naquele primeiro ano, sua prestação de contas ocupava mais de 160 páginas. Trazia minúcias. Informava que o gasto com vinho e outras bebidas alcoólicas caíra de 135.000 libras para 97.000.
Deliciosamente, explicava que a queda não se devia à redução no consumo, mas à baixa qualidade da safra, o que levou a rainha a reduzir o tamanho da adega.
Em festas no jardim, a rainha gastou 442.000 libras. Em aluguel de tendas para as festas, 5.000 libras menos que no ano anterior, porque trocou as tendas coloridas pelas de uma cor só, que são mais baratas. Com lavanderia, a família real gastou 61 000 libras.
Energia elétrica, 323 000 libras. Telefone, 690 000. Veterinário para os cavalos, 19 000. Aluguel de helicóptero para uma viagem do duque de Kent, 5 278 libras – e mais a explicação de por que o duque foi de helicóptero e não de carro ou trem, que é mais barato.
De 2002 para cá, a divulgação dos gastos da realeza tem sido sempre assim: anual, pública e detalhada. Só não contempla tudo porque exclui – adivinha o quê? – os gastos com segurança.
Não se informa nem o montante geral, para não dar pista aos terroristas sobre a dimensão do aparato que protege a família real. O resto todo, os ingleses ficam sabendo. Alguns contestam.
Os republicanos dizem que o gasto de 2007, de 37,3 milhões de libras, é "fantasia". Alegam que, na verdade, a despesa é quatro vezes maior. Pode ser. Mas nem monarquistas nem republicanos dizem que divulgar gasto com helicóptero ou vinho ameaça a segurança.
Pode-se alegar que o atual modelo de sustento da família real na Inglaterra foi estabelecido em 1760, no reinado de George III, e que se passaram 250 anos para que se desse publicidade aos gastos.
Mas, se uma velha monarquia é capaz de sintonizar-se com os novos tempos, é razoável que um governo republicano de uma democracia jovem também o seja. A menos que esteja promovendo uma folia com o dinheiro público – ou não queira abrir mão do gangsterismo político.
O resultado é que zombam de nós. Os brasileiros conhecem o gasto da rainha da Inglaterra com vinho, mas o governo nos diz que não podemos conhecer o gasto de Lula com champanhe – só o de FHC, claro.
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