sábado, 12 de abril de 2008



12 de abril de 2008
N° 15569 - Nilson Souza


Retratos de nós

Por imposição didática de minha teacher, com quem ando em falta, terminei de ler na semana passada O Retrato de Dorian Gray, na língua do próprio Oscar Wilde. Já conhecia a história da pintura que envelhece enquanto o modelo envilece, mas permanece jovem - resultado de um pacto não explícito do homem com a própria perversidade.

Confesso que na juventude esta fantástica história não me tocou tanto. Agora, que tenho uma bagagem maior de observações sobre o comportamento humano, incluindo evidentemente o meu próprio, tudo passou a fazer mais sentido.

Dorian Gray e sua obsessão pela beleza física e pela imortalidade continuam atuais, especialmente nestes tempos em que homens e mulheres fazem qualquer sacrifício para espichar um pouco mais a juventude. Outro dia não pude evitar uma comparação com a história ao ver a foto de uma mulher com o rosto totalmente deformado por sucessivas cirurgias e pela aplicação descontrolada de botox.

Na antevéspera do último Carnaval, uma dama carioca fez a sua 41ª cirurgia plástica para repuxar os olhos e transformar-se numa japonesa quase legítima, personagem adequado à temática de sua escola. Um dia o corpo cobra o preço de tanta intervenção.

Há também um efeito Dorian Gray gerado pela tecnologia. Não faz muitos dias, recebemos na Redação deste jornal o telefonema de uma senhora entrevistada numa reportagem sobre sua comunidade. Ela queria agradecer pelo destaque que recebeu, mas não resistiu a fazer uma observação de natureza estética:

- Vocês deviam ter fotochopado a minha fotografia!

O photoshop, programa de computador que permite alterar fotografias, inverte a lógica do romance. Permite que um modelo trintão, por exemplo, apareça na foto com um rosto adolescente.

Funciona a mil nas campanhas eleitorais. Basta conferir os chamados "santinhos" de candidatos com os originais nos palanques ou neste novo alcagüete da idade que é a tevê de alta definição.

Mas o livro de Oscar Wilde, publicado pela primeira vez em 1890, não trata apenas da vaidade. Seu foco central é a alma humana e suas angústias diante da inexorável ação do tempo e das marcas deixadas pela vida. O que você escolheria, a juventude eterna ou a amizade e o amor?

Ainda bem que inventaram o tal photoshop.

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