quinta-feira, 10 de abril de 2008



10 de abril de 2008
N° 15567 - Luiz Pilla Vares


Um grande amor

Eu já tinha pensado em escrever sobre o grande amor entre o judeu austríaco André Gorz e a inglesa Dorine Kair quando li a bela coluna de sábado escrita por Cláudia Laitano. Confesso que quase desisti.

Depois, pensando melhor, achei que poderia dizer um pouco mais sobre este casamento que durou quase 60 anos sem nunca esmorecer literalmente até a morte de ambos, em setembro de 2007. Dorine sofria de uma doença degenerativa, e o casal, militantes de esquerda, fez um pacto de morte.

O suicídio entre amantes não é uma novidade na história. O novo nesta bela relação entre Gorz e Dorine é a carta que ele deixou para ela e que constituiu a sua última obra, Carta a D., lançada pela Cosac Naif. Procurei nas livrarias e não encontrei. Peguei emprestado e devorei em poucas horas.

O racional escritor marxista e existencialista, amigo e colaborador de Jean-Paul Sartre, diretor da revista Tempos Modernos, revela-se um homem terno e capaz de mostrar abertamente os seus sentimentos, o seu romantismo em relação à mulher de toda a sua vida. É um depoimento extremamente importante nestes tempos de banalidade em que tudo é transitório, fugaz, imediato.

Gorz abre uma relação permanente, duradoura, permeada de ternura, tanta ternura, que não foi abalada nem pela velhice, nem pela consciente perspectiva da morte, escolhida lucidamente por ambos. Trata-se de uma pequena grande obra que é capaz de calar fundo no íntimo de todas as pessoas que a lerem.

E no meio do texto, belíssimo, o velho existencialista volta a se revelar: "Eu queria acreditar que nós tínhamos tudo em comum, mas você estava sozinha em sua aflição". Mas esta solidão de Dorine em sua dor, não era irreversível.

A morte era capaz de transcendê-la, principalmente se fosse compartilhada por Gorz, uma morte escolhida e assumida por ambos. E o célebre autor de Estratégia Operária e Neocapitalismo e Socialismo Difícil, o militante de esquerda, o desbravador das lutas ecológicas não vacilou.

A vida sem Dorine não tinha qualquer sentido para ele e para ela a própria vida era uma degeneração cotidiana e um sofrimento permanente.

A morte, então, surge como uma saída. Não uma fuga da vida, mas como uma ação consciente que renova, no derradeiro instante, o amor de toda uma existência. O último ato de André Gorz e Dorine Keir acaba sendo um notável exemplo de vida.

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