segunda-feira, 14 de abril de 2008



14 de abril de 2008
N° 15571 - Paulo Sant'ana


Uma pessoa singular

Os meus amigos mais íntimos e muitas pessoas que me encontram na rua querem que eu pare de fumar e de comer doces.

Esses meus amigos e essa parte do público deseja que eu me prepare inteiramente para sofrer.

Apavora-me que a minha sorte, como a de todos, inclusive os leitores desta coluna, esteja todos os dias sendo decidida por uma só pessoa.

Uma só pessoa decide, por exemplo, se eu vou ser demitido. Para quem está à procura de emprego, uma pessoa só decidirá se a vaga será preenchida por aquele candidato.

Uma pessoa só decide se vai separar-se de mim no casamento. Uma pessoa só, se eu ficar solteiro, decidirá se vai casar-se comigo.

Assim como uma só pessoa decidirá no banco se me será concedido um empréstimo. E se estou sendo operado no hospital, a minha sorte estará sendo decidida por uma só pessoa: o cirurgião-chefe.

O remédio que tenho de tomar para curar minha doença, será escolhido por uma só pessoa: o médico que procurei.

Se eu for assaltado, quem decidirá sobre se me tira a vida ou não é o assaltante único ou o chefe do bando de assaltantes.

Tudo que nos toca vitalmente é decidido por uma só pessoa. Ou seja, nós nos salvamos ou somos condenados pela instância singular, isto é, a primeira instância.

Para precaver-se desse risco colossal, a Justiça criou o método de não deixar que um só juiz condene ou absolva uma pessoa. Criou outras instâncias, que não são singulares, são coletivas. Em segunda e terceira instâncias, seremos julgados em votação por vários juízes de um órgão. Desaparece o risco de que uma pessoa só decida pelo nosso destino.

Se isso é um risco, então por que para me parcelar uma dívida impagável, que estragará minha vida se não for parcelada, só uma pessoa decide?

É injusto. Em todos os momentos da vida, nas questões importantes, tínhamos de ser julgados por um colegiado. De uma cabeça só, pode não sair uma justa decisão. De várias cabeças também pode não sair uma justa decisão, mas a chance de isso ocorrer é menor.

Também por isso a vida encerra grande perigo. Sempre estamos no fio da navalha do juízo singular.

Se você trabalha no serviço público ou na empresa privada, em qualquer organização, e lhe for perguntado se é lá bem aproveitado, responderá com um sonoro não.

Isso acontece tanto porque nós superestimamos nossa capacidade quanto porque nossos superiores a subestimam.

Tanto melhor e mais próspera será uma empresa ou um serviço público quanto melhor souber aproveitar o talento e os esforços de seus servidores.

O perigo de não aproveitá-los é fazer espalhar o desânimo.

A reportagem esportiva estava impagável no rádio, ontem, antes do jogo Caxias x Internacional. 1º repórter: "O público está se dirigindo para o lado do meio (!!!)"; 2º repórter: "Já aqui onde estou, o público se dirige para a porta do portão(!!!)".

Os repórteres de rádio não dispõem da vantagem que tenho nesta coluna, por exemplo: se erro, há sempre alguém que me corrige antes de baixar o jornal.

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