terça-feira, 22 de abril de 2008



22 de abril de 2008
N° 15579 - Moacyr Scliar


O terceiro homem

Tal como descrito pela polícia, o assassinato de Isabella teve dois momentos. Um momento que podemos chamar de passional: o estrangulamento, que possivelmente resultou de um acesso de fúria incontrolável. Incontrolável mas ainda assim compreensível: possuída por emoções, as pessoas fazem coisas absolutamente inacreditáveis, e este não teria sido o primeiro crime cometido em tais circunstâncias.

O segundo momento, porém, nada tem de passional. O segundo momento, sempre de acordo com a polícia, teria resultado de um frio raciocínio, destinado a "resolver" um problema: como enganar os investigadores? Como criar uma situação que não fizesse pensar em estrangulamento? E, aí, a menina, apagados (de maneira imperfeita) os vestígios da violência, foi jogada do prédio.

Por alguém. Pelo terceiro homem, diz a versão do casal. O misterioso personagem, muitas vezes mencionado, que, além de Alexandre Nardoni e de Anna Carolina Jatobá, teria entrado no apartamento, e matado a menina.

Agora vejam que coincidência: O Terceiro Homem, com Orson Welles no papel principal, é um antigo (1949) e famoso filme com roteiro escrito pelo grande escritor inglês Graham Greene. Um americano, Holly Martin, chega à Viena do pós-guerra procurando seu amigo Harry Lime, que lhe prometera emprego.

Mas Lime teria sido atropelado e morto, seu corpo sendo, após o acidente, conduzido por dois homens. Holly descobre mais tarde que não eram dois homens, e sim três, e que o cadáver era de uma outra pessoa, enterrada no lugar de Lime, um traficante que, procurado pela polícia, quer sumir.

Ele era o terceiro homem; amoral, não se incomodou em carregar o corpo de seu "substituto". A expressão "terceiro homem" ficou sendo assim um símbolo de mistério mas também de hipocrisia.

No Caso Isabella, a polícia concluiu que o terceiro homem não existe. Se existisse, representaria, como no filme de Orson Welles, uma solução e um fator tranqüilizadores da angústia que se apossou do país. Teríamos, enfim, um vilão a quem atribuir o crime monstruoso. Sem este terceiro homem, resta-nos apenas a perplexidade: o que, afinal, levou o casal a matar a menina?

E a conclusão se impõe: como lemos nas obras de Freud e nas peças de Shakespeare (o casal assassino de Macbeth), de fato a mente humana tem desvãos sombrios, povoados por espectros medonhos que, soltos, provocam tragédias inacreditáveis.

Porque, desgraçadamente, esta história não teve só uma vítima, teve várias. Pensemos nos filhos do casal, aos quais as notícias se referem (e, neste caso, com exemplar discrição) como "um menino de três anos e outro de 11 meses".

Estas crianças perderam a meia-irmã e, crescendo, terão de aceitar que os pais são criminosos. Convenhamos: é pior do que a tragédia grega, da qual Freud extraiu elementos para entender o psiquismo humano. Mas até Freud, convenhamos, teria dificuldades em entender o que aconteceu com Isabella.

"Um assassino é visto pelo mundo como alguém monstruoso, mas, para si próprio, o assassino é apenas uma pessoa comum. É só quando o assassino é uma boa pessoa que ele pode de fato ser encarado como monstruoso."

(Graham Greene)

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