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segunda-feira, 28 de abril de 2008
28 de abril de 2008
N° 15585 - Paulo Sant'ana
Ambígua inviolabilidade
Uma intrigante e horripilante notícia chegou ontem da terra onde nasceram Hitler e Freud, a Áustria: um homem manteve presa num porão de sua casa sua filha durante 24 anos. Dos 18 anos de idade aos 42.
E segundo a polícia suspeitava ontem, no cativeiro, ele produziu sete filhos incestuosos com sua filha.
É um dos fatos mais horrendos acerca da maldade humana de que se tem conhecimento. E talvez não haja notícia em toda a história da humanidade, afora os genocídios de guerra ou políticos, de que a maldade de um só homem tenha durado tanto tempo, longos 24 anos passados na Áustria, um país de ótima civilização e excelente polícia.
As perguntas que logo emergem do caso são instigantes:
1) como pode ter esse homem escondido da vizinhança, dos parentes e das autoridades a sua filha, mesmo tendo declarado 24 anos atrás que ela havia desaparecido?;
2) como pode esse homem ter tido sete filhos incestuosos com sua filha, se obviamente a cada um dos sete nascimentos os bebês tinham de ser declarados pelos hospitais ou por parteiras, havendo a obrigação, além de registrá-los, de nomear o pai e mãe das crianças?;
3)incrivelmente, surge nos despachos que vinham ontem da Áustria a figura da esposa do pai incestuoso, que presumivelmente é mãe da seqüestrada, tornando-se assim sogra de seu próprio marido; e como essa esposa do seqüestrador tolerou esse cárcere privado a que foi submetida sua pretensa filha, aceitando assim que seu marido fosse ao mesmo tempo seu genro?;
e se presumivelmente a jovem seqüestrada, que declarou ontem ter sido abusada sexualmente por seu pai desde os 11 anos, tendo sido presa na masmorra do porão da casa da família aos 18 anos, permaneceu sendo abusada pelo pai durante os 24 anos em que esteve presa ou era estuprada pelo pai?;
será verdade o que diz a esposa do seqüestrador, que desconhecia o que estava se passando, ou aceitou registrar em seu nome os sete filhos obtidos entre o incesto de pai e filha?
Raciocinando sobre este gigantesco crime na Áustria, fico a cismar nos milhões de crimes que são cometidos no ermo domiciliar.
A lei protege o domicílio, declarando-o inviolável, mas o quanto são numerosos os criminosos que se valem deste salvo-conduto que lhes concede a lei para constranger filhos, esposas, parentes, para torturá-los e matá-los dentro do ambiente domiciliar!
Quantas são as crianças espancadas dentro dos lares por anos inteiros a fio, sob o domínio criminoso de seus pais!
Quantas esposas são maltratadas e ofendidas por seus maridos, são agredidas por seus maridos, são massacradas por seus maridos no recôndito indevassável do lar?
Agora mesmo a menina Isabella Nardoni, em São Paulo, foi massacrada no recinto do seu lar.
E o recinto do seu lar, embora os vizinhos tivessem ouvido forte discussão entre o pai e a madrasta de Isabella, presumivelmente sobre o que fariam com o suposto cadáver da menina, serviu de refúgio para os assassinos, ninguém entre os vizinhos ousou ir até a porta do apartamento, apertar na campainha e perguntar o que estava havendo. Pela simples razão do respeito reverencial que todas as pessoas nutrem pelo domicílio.
Quanto deve ser sagrado e é aconselhável que o seja o recinto do domicílio.
Mas a quantas barbaridades e monstruosidades ele serve e esconde.
Porque a lei também diz que qualquer pessoa pode invadir um domicílio se lá dentro estiver sendo cometido um crime.
Só que os domicílios se constituem em cidadelas fortificadas e é muito difícil para os que estão de fora, como aconteceu no caso Isabella, perceber se é crime ou não o que está acontecendo lá dentro.
Os domicílios são elogiável e condenavelmente invioláveis.
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