sábado, 12 de abril de 2008



13 de abril de 2008 | N° 15570
Paulo Sant'ana


Os chatos do hospital

O chato já tinha me chateado três vezes em espaços de tempo diferentes, quando meia hora depois ele me abordou novamente na calçada traseira do Hospital Mãe de Deus, onde passei quase toda a sexta-feira.

O chato atacou-me novamente. Indefeso, cedi.

Desta vez ele tentou me seduzir com outro assunto. Obviamente era de novo um assunto chato. Repeli o assunto, quando ele , sem desistir, demonstrou intimidade inaudita, metendo a mão no bolso da minha camisa, sacando o meu maço de cigarros e me perguntando: "E isto aqui, quando é que vais parar de fumar?

Um médico me disse certa vez, quando eu fumava, que, se eu não quisesse me desfazer do prazer de fumar, tinha de imaginar um prazer indiscutivelmente maior: o de não fumar".

Eu disse ao chato que já tinha ouvido e lido mais de 400 vezes aquele raciocínio e que ele me deixasse ficar sozinho com a aflição que me carregara para o hospital. "Vá adiante e por compaixão me dê uma folga!", murmurei.

Afastei-me do chato e ele ficou chateando minha mulher.

Foi aí que eu vi que quando o sujeito é chato, se não tem uma pessoa famosa para chatear, serve qualquer vítima, desde que ele possa continuar chateando, é preciso prosseguir na sua obra.

Cansado do chato, fui fumar debaixo de uma árvore. É que não se pode fumar mais em lugar nenhum, hospital muito menos.

Eu então estava fumando lá na calçada traseira do hospital. E ainda me afligia o sufoco do chato, quando estou fumando debaixo da árvore e passa uma senhora de mais ou menos 85 anos de idade. E me diz: "Fumando, não é?".

E eu respondi pronto para ela: "Sim, fumando, o que a senhora queria que eu estivesse fazendo aqui debaixo da árvore, jogando tênis?".

Foi quando, à espera de minha mulher, fiquei debaixo da mesma árvore e apaguei o cigarro, só para ver o que ainda me esperava naquele cortejo de chatos. Fiquei parado, sem fumar.

Passou um baixote, parou diante de mim e com a visível intenção de estabelecer conversa comigo, começou: "Ué, é a primeira vez que te vejo sem estares fumando!".

Vejam, então, que em qualquer hospital proliferam, dentro, as bactérias. E fora, na calçada, proliferam os chatos.

No caso do Mãe de Deus, equipes chefiadas pelo diretor médico Alberto Kaemmerer e outros diretores estão em permanente higienização das instalações, no combate às bactérias.

Mas não descobriu ainda a ciência infectologista uma maneira de desinfetar os chatos circunstanciais das calçadas fronteiras, laterais e traseiras dos hospitais.

Em conversas e aulas dos últimos dias com quatro infectologistas porto-alegrenses, alguns dos mais ilustres, eles me falaram sempre na "flora bacteriana". Foi quando, de tanto ouvir a expressão, me rebelei: "Se os micróbios são chamados de bichinhos, não se trata de flora bacteriana, mas de fauna bacteriana".

E os infectologistas concordaram comigo, daí por que daqui por diante está instalada uma mudança célebre na semântica científica.

O grande médico gaúcho Eduardo Faraco, o homem que concluiu o Hospital de Clínicas em Porto Alegre e foi reitor magnífico da UFRGS, evitava o aperto de mãos.

Exatamente como eu venho evitando nos últimos dias. Mas quando a pessoa insistia muito para apertar-lhe a mão, ele cedia. Só que tirava em seguida um vidrinho de álcool que trazia no bolso e desinfetava a mão apertada.

Quem me contou isso foi o ortopedista Marczyk (pronuncia-se Marcheque)

Isto quer dizer que eu estou no caminho da ciência quando aconselho aos gaúchos que passem a não se apertarem mais as mãos, evitando assim a transmissão de bactérias.

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