quinta-feira, 17 de abril de 2008



17 de abril de 2008
N° 15574 - Luis Fernando Verissimo


Bach e Berlusconi

A obra de Bach é o exemplo mais alto do rigor com emoção, ou da emoção represada pela pia sobriedade germânica, que definia o barroco alemão. Depois a música alemã transbordou para o romântico e o bombástico, mas Bach ficou como um parâmetro de gravidade, algo como a gravidade que nos mantém presos à Terra.

Voltamos sempre a Bach para nos certificarmos de que certas leis universais não mudam com os gostos musicais, e nos emocionamos sempre com a redescoberta. Mas o velho parâmetro também dava os seus pulinhos.

Gostava do barroco italiano e foi influenciado pelas suas firulas. Transcreveu obras de Corelli e outros - inaugurando o hábito, que existe até hoje, de chamar cópia de homenagem - e algumas transcrições ficaram famosas, como a do concerto para quatro violinos do Vivaldi que ele adaptou para quatro cravos, e o concerto em ré menor para oboé e basso continuo do Alessandro Marcello, que tem um adágio tão bonito, que poderia ter sido composto pelo Bach sem intermediário.

Mas Bach não estava livre de críticas pelas suas recaídas da gravidade e teve um contemporâneo que chamou uma das suas homenagens de "um pouco italiana demais".

Não sei como é a frase em alemão mas ela é um bom alerta em qualquer língua. Pode-se, deve-se ser italiano - tem até aquela outra frase, "sejamos todos italianos, a vida é muito curta para sermos outra coisa" - mas dentro dos limites do razoável.

A própria Itália às vezes exagera e fica italiana demais. Toda vez que elege o Berlusconi, por exemplo. Que ele é um mascalzone todo mundo sabe, mas isto parece fazer parte da sua atração para os italianos.

É um empresário de sucesso numa sociedade em que, como poucas, as pessoas de sucesso são a nobreza - como era o caso do Agneli - e o seu sucesso é que faz sucesso. É o dono da TV no país, e ela vende sua imagem de dinamismo e confiança em horário integral. Mas nada disto explica totalmente as suas vitórias.

O que completa a explicação é o hábito italiano de, periodicamente, ultrapassar os limites que na música seriam entre o alegre e o frívolo e o barroco e o rococó, ou entre o que encantava o Bach e o que dava razão aos seus críticos, e na política separam o inusitado do incrível. Vez que outra, os italianos ficam incríveis.

Mas é claro que Berlusconi pode cair numa semana. Neste caso, a política italiana seria rococó no bom sentido.

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