terça-feira, 22 de abril de 2008



22 de abril de 2008
N° 15579 - Cláudio Moreno


Não me devem nada

Atalanta, a donzela guerreira, teve a mesma infância infeliz que tiveram quase todos os heróis da mitologia grega. Quando nasceu, o rei Iasos, que precisava de um filho varão, foi aconselhado pelo oráculo a abandoná-la nas matas que cobriam a encosta do monte Partênio.

Como sempre, o servo que recebeu a incumbência se apiedou da criança e a depôs com todo o cuidado no interior de uma caverna, implorando a Artêmis, a deusa dos bosques e dos lugares ermos, que tomasse conta da pequenina.

O auxílio da deusa veio na figura de uma ursa que naquele mesmo dia tinha perdido os filhotes; ao voltar à caverna, encontrou a bebezinha e, por instinto, começou a amamentá-la.

Passados alguns meses, um caçador das redondezas percebeu o que acontecia na caverna. Aproveitando-se de um descuido do animal, levou a menina para casa, dando-lhe o nome de Atalanta.

O caçador morreu alguns anos depois, e Atalanta cresceu triste e sozinha. O tempo a transformou numa bela mulher, que vivia sob o sol da Arcádia, correndo pelos montes e pelos campos com seu arco e sua lança, exatamente como Artêmis, sua deusa protetora - e, como ela, vestida apenas com uma túnica muito curta, presa num só ombro, que deixava livres os seus movimentos e pouco escondia de seu corpo ágil e flexível.

Os que encontravam a virgem caçadora ficavam enfeitiçados com sua beleza selvagem, mas o temor de suas armas mantinha todos à distância.

Seu momento de glória ocorreu na grande caçada ao javali da Calidônia. A aventura atraiu jovens heróis de toda a Grécia, fascinados pela chance de conquistar honra e renome.

Quando o javali investiu sobre eles, vários o atingiram com suas lanças, mas só depois de Atalanta ter ferido o dorso do animal com uma de suas flechas. Dela tinha sido o primeiro sangue e, por isso, coube a ela o troféu tão desejado.

Ao saber dessa façanha, Iaso chamou-a à sua presença e quis saber de onde ela vinha. Os indícios eram eloqüentes, e o rei, exultante, reconheceu em Atalanta a filha que julgava perdida. Abraçando-a com orgulho, contou-lhe o seu nascimento e lamentou não ter tido a coragem de desobedecer à recomendação feita pelo oráculo.

Ela também o abraçou; por muitos anos tinha imaginado este encontro e não ia estragá-lo com cobranças. Não ia exigir que seu pai agora lhe desse o que não pudera dar a ela 20 anos atrás.

Ele não devia nada; iam começar do zero e tratar de ser felizes. Atalanta antecipava, assim, o que Epíteto viria a escrever: a pessoa comum culpa o outro por tudo o lhe que sai errado; o noviço em filosofia culpa sempre a si mesmo; o sábio, esse não culpa nem um, nem outro.

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